Essa foi a obra da República nos últimos anos – RUI BARBOSA (*)
"A falta de justiça, Senhores Senadores, é o grande mal de nossa terra,
o mal dos males, a origem de todas as nossas infelicidades, a fonte de
todo o nosso descrédito, é a miséria suprema desta pobre nação.
A sua grande vergonha diante do estrangeiro, é aquilo que nos afasta dos homens, os auxílios, os capitais.
A injustiça, Senhores, desanima o trabalho, a honestidade, o bem;
cresta em flor os espíritos dos moços, semeia no coração das gerações
que vêm nascendo a semente da podridão, habitua os homens a não
acreditar senão na estrela, na fortuna, no acaso, na loteria da sorte,
promove a desonestidade, promove a venalidade, promove a relaxação.
Insufla a cortesania, a baixeza, sob todas as suas formas.
De
tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a desonra, de
tanto ver crescer a injustiça, de tanto ver agigantarem-se os poderes
nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar da virtude, a rir-se da
honra, a ter vergonha de ser honesto...
Essa foi a obra da república nos últimos anos... No outro regime (monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais.
Essa foi a obra da república nos últimos anos... No outro regime (monarquia), o homem que tinha certa nódoa em sua vida era um homem perdido para todo o sempre – as carreiras políticas lhe estavam fechadas. Havia uma sentinela vigilante, de cuja severidade todos se temiam a que, acesa no alto, guardava a redondeza, como um farol que não se apaga, em proveito da honra, da justiça e da moralidade gerais.
Na república os tarados são os tarudos. Na república todos os grupos se
alhearam do movimento dos partidos, da ação dos Governos, da prática
das instituições. Contentamo-nos hoje com as fórmulas e aparências,
porque estas mesmo vão se dissipando pouco a pouco, delas quase nada nos
restando.
Apenas temos os nomes, apenas temos a reminiscência, apenas temos a
fantasmagoría de uma coisa que existiu, de uma coisa que se deseja ver
reerguida, mas que, na realidade, se foi inteiramente.
E nessa destruição geral das nossas instituições, a maior de todas as
ruínas, Senhores, é a ruina da justiça, colaborada pela ação dos homens
públicos, pelo interesse dos nossos partidos, pela influência constante
dos nossos Governos. E nesse esboroamento da justiça, a mais grave de
todas as ruínas é a falta de penalidade aos criminosos confessos, é a
falta de punição quando se aponta um crime que envolve um nome poderoso,
apontado, indicado, que todos conhecem..."
(*)
Trecho do discurso: 'Requerimento de Informações sobre o Caso do
Satélite – II', no Senado Federal. Obras Completas – Vol. XLI – 1914 –
Tomo III – pp. 86/87. Rui Barbosa foi um político, diplomata, advogado e
jurista brasileiro. Representou o Brasil na Conferência de Haia. Membro
e fundador da Academia Brasileira de Letras foi seu presidente entre
1908 e 1919.