
Nesta semana, resolvi postar alguns vídeos no youtube, e alguns receberam vários comentários, todos muito apreciados; Alguns inclusive, apontando para as minhas influências, como o do grande pianista Brasileiro Kiko Kontinentino, que escreveu: "Lembra um pouco o mestre Bill" ( referindo-se ao saudoso Bill Evans ), o que para mim, foi uma lembrança muito feliz, de outros tempos, visto que Bill Evans foi e continua sendo figura central no meu aprendizado musical.
Mas fazendo um retrospecto sobre esses meus quase 30 anos de estudo de música, devo admitir que não tenho apenas o Bill Evans por influência, mas muitos outros, como os pianistas ( apenas para citar ) Oscar Peterson, Chick Corea, Herbie Hancock, Hermeto Pascoal, Claire Fischer, além de centenas de outros, sem falar ainda dos compositores eruditos. A todo aquele que aspira ser um músico, qualquer destes gênios provê conhecimentos fundamentais. Só que os recebi da forma mais estranha possível:
Costumo dizer que se é que eu tenho algum mérito em música, apontaria para o imenso trabalho em aprendê-la sem nunca ter tido uma só aula de... MÚSICA. Mas como ?? Contraditório ? Nem tanto. Quando falo a palavra "música" aqui, não me refiro ao instrumentismo, a aprender a por os dedos nas teclas. Isso eu estudei na escola, com uma excelente professora, chamada Diana Pierre. Estudei a tocar Bach, Chopin, aprendi peças decoradas, porém, como acontece sempre nos conservatórios, sem saber exatamente o que era... aprendi leitura musical, mas nunca tive uma só aula de MÚSICA enquanto arte criativa, como harmonia, improvisação e composição.
A música mesmo que toco hoje, aprendi ouvindo Jazz e MPB no rádio. Ouvia muito a BBC de Londres, a "Voz da América" e as outras estações internacionais, num pequeno rádio de pilha, aos 13 anos, porque no sertão em que vivia, não tínhamos livros, nem discos de Jazz, nem professores dessa área nos anos 70 e 80 ( E nem hoje ). Neste lugar, a seca não era só de água, mas de várias outras formas, que beiravam a própria miséria do nosso povo. Dos 18 aos 25, aprendia músicas inteiras, ouvindo nota por nota usando um gravador cassete, e analisando harmonicamente as inversões, etc. Sob um ponto de vista, tive que reinventar a roda, só eu e a minha mente, fazendo deduções, tirando conclusões, checando pequenos trechos dezenas ou centenas de vezes, pensando 24h em certos problemas até encontrar a solução. Costumava levantar no meio da noite para tirar dúvidas ou registrar uma idéia. Músicas do repertório jazzístico como Waltz for Debby, Up to the lark, Quiet Now, Very Early, Letter to Evan, Turn out the Stars e quase todas as do Bill Evans, por exemplo, eu tive que aprender nota por nota; Sei tocar de cor. Muitos anos depois, foi que consegui livros, mas aí já era tarde, apenas comprovei que as notas estavam certas, e mesmo em livros, vejo transcrições imperfeitas, que meu ouvido escuta certas notinhas que o transcritor não percebeu nos acordes às vezes. Também transcrevi muitos solos; Mas depois disso tudo, o que fiz? Vi que a música é muito mais...Como eu costumo dizer hoje em dia, eu não escolho mais o caminho que a música leva, não procuro imitar este ou aquele. Se o som vai naquela direção, deixe-o ir.
A música está em tudo. Tudo é música, se você aprender a escutar! Antes eu tinha muito preconceito, porque um solo estaria muito "Coreano", ou muito a la Hermeto...hoje eu procuro fazer música do meu modo, nem importando muito se está certinho ou erradinho, o importante é que a única pessoa a quem tenho que dar satisfações ou me comparar, é a mim mesmo. Não posso me comparar a outro porque cada um teve suas escolas, suas lutas, suas próprias dificuldades, e suas referências. Nessa semana, eu estive pensando sobre isso, pois eu quase que exclusivamente tenho ouvido Scriabin, e tocado em casa também, desde que me apaixonei pela sua música em 2008. Até meu querido Chopin, do qual eu já toquei mais de 60 peças, deixei um pouco de lado para aprender os prelúdios desse russo fantástico, e esses prelúdios, mesmo os lentos, são incrivelmente difíceis musicalmente. Tenho composto muitas coisas também, sempre com a inspiração nas imagens, em cenas e acontecimentos, que sempre foram meu modelo natural de criação. Mas para tocar em público, ou gravar algo para a internet ( que hoje é um modismo ), o toque jazzístico, acho que para efeito de público é melhor ( para levar música às pessoas, afinal de contas ).
Hoje em dia existem no Youtube milhões de pianistas tocando os noturnos de Chopin, os seus Estudos, as Baladas, as Sonatas de Beethoven... e eu penso: Em que eu poderia acrescentar algo ? Depois que você escuta, por exemplo, uma Rapsódia Húngara com Cziffra ou Volodos, será que precisaria mais alguém gravar ? Questiono muito essas milhares de interpretações quase todas idênticas, mudando apenas aqui e ali. Penso que só se for para deleite próprio, dos amigos, algum estudo pessoal, gravá-las possa valer a pena...E se você escuta os mestres Bill Evans ou Oscar Peterson, porque alguém iria querer gravar suas obras na forma original ? Só se for uma releitura, caso contrário...Se você chegar numa loja para comprar um disco do Oscar Peterson ou de alguém tentando imitar o Peterson, qual deles você compraria ? O original ou a cópia ? Esta é uma das razões de mesmo tendo oportunidade, às vezes eu não vou a certos shows ou concertos. Porque, para ouvir o Herbie Hancock tocar Herbie Hancock, eu ficaria em casa e escutaria o original, para ouvir Bach com um principiante no conservatório, prefiro ficar em casa e ouvir com Glenn Gould ( A não ser quando é o caso de ir para prestigiar o trabalho de um amigo, uma questão de solidariedade, mas para mim, depois de escutar Bach com Glenn Gould por uns 30 anos, fica difícil... ), pois ninguém faz como eles já fizeram ( Ou fazem ? ) deixemos o questionamento no ar...
Então, acho que o trabalho do verdadeiro artista, apesar das influências que recebe na sua juventude, de todo um conjunto de coisas que estão relacionadas ao aprendizado, e que lhe são inevitáveis, deve ousar tentar mostrar suas próprias composições, aquilo que brota da sua mente criativa. Compor deve ser a meta do grande artista, não se limitar a repetir como um papagaio a música dos outros. No Brasil, vale salientar o trabalho de grandes mestres da atualidade. A minha lista seria interminável, mas nesta pequena reflexão, quero ressaltar aqui a música do cearense Luciano Franco, um dos maiores compositores do Brasil na atualidade, ganhador de muitos prêmios, pela sua diversidade composicional. Admiro muito o grande mestre multi-instrumentista Arismar Do Espirito Santo, a pessoa que mudou a minha visão acerca de MÚSICA, e até a maneira de tocar piano; Com Arismar, aprendi a tocar errado, porque o errado é que era o certo, e eu antes, fazia o certinho, o que era muito, muito errado. Admiro muito ainda o Vinicius Dorin, que também tenho na conta de um gênio, tocando e compondo. Essas pessoas sempre estão a lançar um trabalho original.
Porque o Piano Solo ?
Infelizmente, na região sul do Ceará, que é muito boa para se viver, um local belíssimo, ao mesmo tempo, continua apresentando dificuldades a alguém que queira ser músico criativo. Temos poucos que dispõem ao mesmo tempo de talento e tempo para se dedicar a um grupo e desenvolver um trabalho. Lembremos que aqui é sertão, não é São Paulo, onde se alguém precisar de um baixista acústico, encontrará um em casa esquina. Para se ter uma idéia, o mais próximo baixista acústico daqui está a 600Km, e sabe-se lá se essa pessoa tocaria da forma, com o sotaque que você precisa, ou o caso, por exemplo, de um baterista ( Além de os bons serem todos muito ocupados )... por este motivo, tenho gravado quase sempre piano solo, apenas para deleite pessoal e de amigos espalhados pelo mundo. A vida é muito curta, e se você é músico, se você nasceu com essa irresistível tendência e fascínio pelos sons, precisa seguir o seu caminho, qualquer que seja ele.
No mundo, existem vários tipos de música boa, e cada uma delas possui os seus valores. Nesta "selva" moderna, o importante talvez seja cada um mostrar o seu "produto". Há espaços para todos e o público é quem escolhe o que deseja ouvir. Como novidade, por estes dias, estou gravando uma série de entrevistas em vídeo com outros músicos e isto está sendo muito gratificante; Em breve deverá estar no ar.
Ao final, vejo que o importante é que, independente da escola musical, se erudita, se popular, se aprendeu por partitura, ou de ouvido, nunca alguém desista de tocar ou aprender um instrumento, ou dois ou vários, ou achar que o que faz não possa ser melhorado. Música sempre vale a pena, se ela vem da alma. Na verdade, somos todos aprendizes, e até hoje, aos meus bem vividos 48 anos, nunca vi nenhum músico que reunisse todas as características e os elementos da música numa única pessoa; Muitos se aproximaram, como os exemplos supra-citados, de Bach, Beethoven, ( Ou Scriabin ), mas o conhecimento é muito vasto para uma só cérebro, uma só mente, e mesmo tendo todo esse conhecimento, ainda precisaríamos de talento, técnica, criatividade e sentimento, porque afinal de contas, música é um estado de espírito, não importando se o músico toca apenas para si próprio ou para milhões, ou se toca apenas uma frase ou um milhão de notas. No final, o que resta de tudo, é apenas uma coisa chamada sentimento.
Por: Dihelson Mendonça
Aprendiz de Música