Enquanto o debate é alimentado por uma espécie de factoide — o plebiscito da reforma política —, a vida real segue o curso, e problemas muito concretos vão se avolumando.
O próprio governo parece ter caído na armadilha da invenção diversionista da “constituinte exclusiva” — origem do plebiscito, ao se constatar a ilegalidade da ideia —, lançada como suposta medida de atendimento às manifestações de rua, mas cujo objetivo primordial é afastar o Planalto do centro da crise e transferir responsabilidades para o Congresso. Que há problemas de representatividade política, não se discute. Resumir o mau momento do Brasil a isto é exagero.
Impossível prever até quando o truque funcionará. Até porque as dificuldades econômicas aumentam e tendem a funcionar cada vez mais como amplificador da voz das ruas. A inflação de junho, divulgada ontem, medida pelo IPCA, foi de 0,26%, abaixo da de maio (0,37%). Mas, como em junho do ano passado havia ficado quase estável (0,08%), o IPCA anualizado novamente ultrapassou o teto superior da meta de inflação (6,5%), fechando em 6,7%.
Há grandes possibilidades de o índice recuar até o final do ano. A curto prazo, até como reflexo do corte de tarifas, forçado pelas manifestações. Mas num setor-chave para o bolso da população, o de serviços, a inflação continua a rodar na velocidade de 8% ao ano.
Mesmo assim, e apesar do discurso do governo — um dos pactos propostos pela presidente Dilma trata do tema —, a política fiscal continua expansionista, aumentando a temperatura do consumo, fator de pressão sobre os preços.
Mantém-se o uso irresponsável da “contabilidade criativa”, para injetar recursos de endividamento público em bancos públicos, como BNDES e CEF, a fim de o dinheiro voltar sob o disfarce de dividendos e embonecar o superávit primário, como se houvesse uma austeridade que na realidade inexiste.
Chegou-se à situação escalafobética de a Caixa pagar mais dividendos à União do que teve de lucro (R$ 7,7 bilhões contra R$ 6,1 bilhões). Tanto é que começa a cair em descrédito mesmo a nova meta, mais baixa, de 2,3% do PIB de superávit. Enquanto aumenta a expectativa de efetivo rebaixamento da classificação do país em agências de avaliação de risco.
O jogo de espelhos para melhorar números também chegou à balança comercial, encerrada no primeiro semestre com um déficit de US$ 3 bilhões, o pior resultado em 18 anos. E isso porque ajudou nos números a contabilização de US$ 1,5 bilhão de uma exportação fictícia de três plataformas da Petrobras. Elas apenas foram registradas em subsidiária no exterior. A operação é legal, mas só faz aumentar a desconfiança crescente na administração da economia num momento como este. Inflação elevada, economia em desaquecimento — a indústria retrocedeu 2% de abril para maio — e empresário pouco motivado.
As manobras políticas deveriam ceder espaço na agenda do Planalto para questões mais relevantes relacionadas a esta conjuntura.
Dilma sem liderança - Por Lauro Jardim.
Para além do derretimento da popularidade de Dilma Rousseff atestado pelo Datafolha, pesquisas que chegaram ao Palácio do Planalto no auge dos protestos mostraram dados ainda mais preocupantes aos aliados da presidente.
Um levantamento do "Ipsos Public Affairs" entregue a parlamentares do PT e do PMDB mostrou que 55% dos entrevistados disseram não considerar Dilma Rousseff uma grande líder.
Realizado entre 20 e 21 de junho, a pesquisa revelou ainda que 80% dos entrevistados consideravam que a “presidente precisava agir rápido e não só declarar intenções”.
Questionados sobre a avaliação do primeiro pronunciamento de Dilma em cadeia nacional, em 21 de junho, 46% dos entrevistados disseram que “Dilma fez um discurso pensando apenas na eleição de 2014”.
Passadas as trapalhadas dessa semana, com o plebiscito da reforma política praticamente sepultado – e o governo insistindo em um discurso fantasioso, aliados de Dilma temem que as próximas pesquisas sejam ainda mais aterradoras.