Nestes últimos dias, vimos ou presenciamos diversas manifestações em protesto aos desmandos de muitos políticos que se encontram no poder. Poder este dado a eles através de uma representatividade adquirida através do nosso voto. Bem sabemos que nem sempre esta forma de eleger( através do voto), representa uma verdadeira democracia.Pelo contrário, depois de eleitos, muitos ficam " deitados eternamente em berços esplêndido" e nada fazem pela população, pelo contrário, retiram o que já foi duramente conquistado, como é o caso dos educadores da rede municipal da cidade de Juazeiro do Norte.
Diante de tantos protestos, de greves, posto abaixo uma fábula de Monteiro Lobato,extraída de um site,para que possamos fazer uma reflexão do nosso papel de cidadão. Papel este de inquietar com abusos de autoridade, abuso de poder, corrupção, etc.Façamos uma boa leitura.
HISTÓRIA DO REI VESGO
Na frente do palácio de certo rei do Oriente havia
um morro que lhe estragava o prazer. Esse rei, apesar de ser vesgo, tinha uma
grande vontade de “dominar a paisagem”; vontade tão grande que ele não pôde
resistir, e lá um belo dia resolveu secretamente arrasar o morro. Tratava-se,
porém, de um morro sagrado, chamado o Morro da Democracia, e defendido pelas
leis básicas do reino. Nem essas leis nem o povo jamais consentiriam em sua
demolição, porque era justamente o obstáculo que limitava o poder do rei. Sem
ele o rei dominaria ditatorialmente a paisagem, o que todos tinham como um
grande mal.
Mas aquele rei, que além de vesgo era malandro,
tanto espremeu os miolos que teve uma ideia. Piscou e chamou uns cavouqueiros,
aos quais disse:
– Tirem-me um pouco de terra desse morro, ali há
umas touceiras de craguatá espinhento. Se o povo protestar contra minha
mexida no morro, direi que é para destruir o craguatá espinhento; e que se
tirei um pouco de terra foi para que não ficasse no chão nem uma raiz ou
semente.
Os cavouqueiros arrancaram os pés de craguatá e
removeram várias carroças de terra. O povo não protestou; não achou que fosse
caso disso. Só alguns ranzinzas murmuraram, ao que os apaziguadores
responderam:
– Foi muito pequena a quantidade de terra tirada;
não fará falta nenhuma.
Vendo que não houve protesto, o rei, logo depois,
deu nova ordem aos cavouqueiros para que arrancassem outro pé de qualquer
coisa, mas com terra – ele fazia muita questão de que a planta condenada saísse
sempre com um bocadinho de terra... Continuando o povo a não protestar,
prosseguiu o rei por muito tempo naquela política de “extirpação das plantas
daninhas do morro”, e as foi arrancando, sempre “com terra”, até que um dia...
– Que é do morro?
Já não havia morro nenhum no reino. Desaparecera o
Morro da Democracia, e o rei pôde, afinal, estender o seu olho vesgo por todo o
país e governá-lo despoticamente – não pelo breve espaço de apenas quinze anos,
mas trinta e tantos, segundo rezam as crônicas históricas.
Isso foi no Oriente. Mas nada impede que aqui
aconteça o mesmo, porque também temos o nosso morrinho da Democracia, cheio
dessas plantas más que costumam nascer em tais morros. É preciso, pois, que o
povo se mantenha sempre vigilante, para que os nossos reis vesgos não as
arranquem “com terra”. Do contrário o morro se acaba – e... como é? Ditadura
outra vez?
Este comício tem essa significação. È um protesto
do povo contra as primeiras carroçadas de terra que o nosso rei, sob o pretexto
de arrancar o craguatá espinhento do comunismo, tirou do nosso Morro da
Democracia. Cesteiro que faz um cesto faz cem. Quem tira uma carroçada de terra
tira mil. Se não reagirmos energicamente, um dia estaremos privados do nosso
morro e com um terrível soba dominando toda a planície.
E se tal acontecer, e esse soba instituir o relho
como instrumento de convicção, será muitíssimo bem feito, porque outra coisa
não merece um povo que deixa seus governantes despojarem-no pouco a pouco das
suas mais belas conquistas liberais.
O preço da liberdade é uma vigilância barulhenta
como os gansos do Capitólio.
(*) NOTA: Texto
elaborado pelo autor em junho de 1947, por ocasião de comício realizado no Vale
do Anhangabaú, São Paulo, em protesto contra a proibição das atividades do
Partido Comunista e a iminente cassação de seus parlamentares.
FONTE: Tribunal Regional Eleitoral de
São Paulo. Justiça Eleitoral: uma retrospectiva. São Paulo:
Imprensa Oficial, 2005, p. 90.