O cardeal argentino Jorge Mario Bergoglio foi
eleito de forma surpreendente, na quarta-feira, para comandar a Igreja Católica
Apostólica Romana em uma época de crise. Primeiro papa não-europeu em quase
1.300 anos, Bergoglio assumiu o nome de Francisco 1o.
O novo papa, de 76 anos, apareceu na sacada central
da basílica de São Pedro cerca de uma hora depois do surgimento da fumaça branca
na pequena chaminé da capela Sistina, que sinalizou aos cerca de 1,2 bilhão de
católicos do mundo que os cardeais já haviam escolhido seu novo líder, após
pouco mais de 24 horas de conclave.
"Rezem por mim", disse Francisco 1o, já vestido no
traje branco de pontífice.
O anúncio do novo papa foi feito pelo cardeal
francês Jean-Louis Tauran, que saiu à sacada da basílica e proferiu a fórmula
protocolar em latim: "Annuntio vobis gaudium magnum. Habemus Papam" ("Eu vos
anuncio uma grande alegria. Temos um papa").
Francisco 1o é o 266o papa em 2.000 anos de Igreja,
e o primeiro latino-americano. Embora seja um conservador, é visto como um
reformista, e não era citado em nenhuma lista de favoritos.
Em 2010, ele se manifestou enfaticamente contra o
casamento homossexual, que ele descreveu como "uma tentativa de destruir o plano
de Deus".
Como substituto de Bento 16, que renunciou
repentinamente em fevereiro, ele também contrariou uma das principais suposições
anteriores ao conclave --a de que o novo papa seria relativamente jovem.
Bergoglio será o primeiro papa não-europeu desde o
sírio Gregório 3o, que pontificou no século 8, e o terceiro não-italiano
consecutivo --seus antecessores foram o polonês João Paulo 2o e o alemão Bento
16.
MULTIDÃO EM FESTA
Num dia de tempo muito ruim, um mar de
guarda-chuvas ocupou a praça de São Pedro durante todo o dia, e a multidão
cresceu após o surgimento da fumaça branca --um momento de grande euforia entre
os fiéis.
Os aplausos se intensificaram ainda mais quando
Francisco 1o apareceu. "Viva il papa", gritava a multidão, em italiano.
Antes e durante o conclave, vaticanistas apontavam
como favoritos o brasileiro Odilo Scherer e o italiano Angelo Scola. Mas outros
cardeais também eram cotados, e por isso a expectativa era de que o processo
eleitoral se prolongasse mais.
No seu primeiro pronunciamento, Francisco 1o disse
que os cardeais eleitores aparentemente foram "até o fim do mundo" para
buscá-lo. Ele disse que o mundo deve seguir o caminho do amor e da fraternidade,
e pediu orações da multidão.
Primeiro jesuíta a se tornar papa, Bergoglio
precisará enfrentar desafios colossais, como os abusos sexuais cometidos por
clérigos contra menores nas últimas décadas em vários países, e o recente
vazamento de documentos que mostravam casos de corrupção e disputas internas na
Cúria Romana (a burocracia vaticana).
Ele também comandará uma instituição abalada pelo
avanço do secularismo e de religiões concorrentes em diversas regiões, e
suspeitas de corrupção no Banco do Vaticano.
Acredita-se que todos esses foram fatores que
contribuíram para a abdicação de Bento 16, que alegou não ter mais condições
físicas para comandar a Igreja.
RESERVADO E HUMILDE
Bergoglio era citado como um candidato moderado no
conclave de 2005 que escolheu Joseph Ratzinger como papa.
A imprensa italiana diz que ele impressionou os
cardeais nas reuniões preliminares ao conclave, nas quais os problemas da Igreja
foram discutidos.
Reservado e humilde, Bergoglio não se encaixa no
papel de pregador ativo e carismático que muitos cardeais diziam estar buscando.
Antes de entrar para o clero, ele se formou em química.
"Eu não esperava, mas estou absolutamente contente.
É um momento muito único. Há uma grande sensação de unidade aqui. É ótimo que
eles tenham chegado a uma decisão sobre quem irá liderar a Igreja", disse o
padre escocês John Mcginley, que viajou especialmente para acompanhar o
conclave.
"Ele é muito humilde, ouvi dizer que em Buenos
Aires ele costumava apanhar o transporte público, tinha um apartamento e
cozinhava para si mesmo. O fato de ele ter escolhido o nome Francisco significa
muito. Significa que teremos um papa humilde, simples, próximo dos pobres. Mas
foi uma grande surpresa", disse o advogado canadense Jules Charette, 54 anos.
Antes da aparição do novo papa, bandas das Forças
Armadas italianas e da Guarda Suíça (força simbólica do Vaticano) desfilaram
diante da basílica.
O conclave começou na terça-feira à tarde, quando
foi feita a primeira votação. Na quarta-feira, houve mais quatro escrutínios,
até que Bergoglio conseguisse a maioria de dois terços.
Os conclaves modernos são mais rápidos que os de
antigamente. Os últimos quatro papas foram todos eleitos em dois ou três dias.
Em 2005, Bento 16 precisou de apenas quatro votações para confirmar seu
favoritismo.
Nas reuniões preparatórias ao conclave, os cardeais
pareciam divididos entre os que queriam um pontífice com grande capacidade
administrativa para fazer reformas na Cúria romana, e aqueles que desejavam uma
figura com mais vocação pastoral, que revitalizasse a fé católica no mundo.
Além de Scherer e Scola, eram citados também entre
os favoritos os norte-americanos Timothy Dolan e Sean O'Malley, o canadense Marc
Ouellet e o argentino Leonardo Sandri. Bergoglio nunca apareceu entre os
favoritos.
(Reportagem de Naomi O'Leary, Catherine Hornby,
Crispian Balmer e Tom Heneghan e Georgina Prodhan)
PHILI - Reuters
Estadão