PROIBIDO FUMAR
Em agosto de 1951 os Diários Associados inauguraram a primeira rádio do interior cearense e uma das primeiras do Nordeste. O próprio Assis Charteaubriand foi para a inauguração. A casa do meu pai, na Rua Nelson de Alencar, era vizinha (parede com parede) com a Rádio Araripe. Lembro-me bem do Chateaubriand, num terno de linho branco, conversando com outras pessoas, em frente à minha casa.
Em agosto de 1951 os Diários Associados inauguraram a primeira rádio do interior cearense e uma das primeiras do Nordeste. O próprio Assis Charteaubriand foi para a inauguração. A casa do meu pai, na Rua Nelson de Alencar, era vizinha (parede com parede) com a Rádio Araripe. Lembro-me bem do Chateaubriand, num terno de linho branco, conversando com outras pessoas, em frente à minha casa.
A Rádio Araripe tinha um bom auditório, que servia tanto para apresentação de filmes como para programas de rádio, com a presença de artistas famosos. O porteiro era, nada mais nada menos, do que o famoso “Zé Porrada”. Uma das suas características era integrar-se plenamente naquilo que estava fazendo. Era de vestir mesmo a camisa. Quando falava sobre a Rádio, era com tal entusiasmo que, se alguém não o conhecesse, pensaria que era sócio do Assis Chateaubriand.
Em certa ocasião, Orlando Silva estava na cidade para apresentação de um show, na rádio. Os artistas dos Diários Associados vinham do Rio de Janeiro de avião. A companhia era a Real Transportes Aéreos. Como os vôos não eram diários, ficavam aguardando alguns dias e se incorporavam ao cotidiano da cidade. Orlando Silva, então, decidiu assistir a um filme. Sentou-se na última fila. O cinema estava com pouca freqüência e ele resolveu acender um cigarro. Pra quê! O Zé Porrada chegou-se a ele e, autoritariamente, fazendo jus ao nome, disse:
- “Olha, aqui é proibido fumar. Pode apagar o cigarro!”

NELSON GONÇALVES
A vizinhança com a Rádio Araripe me propiciava ver e, até mesmo encontrar mais à miúde, com Orlando Silva, Nelson Gonçalves, Vicente Celestino, Augusto Calheiros, Ademilde Fonseca, Emilinha Borba, Luiz Gonzaga, as irmãs Batista, Dóris Monteiro, Agnaldo Raiol (ainda criança) e a Orquestra Cassino de Sevilla. Como a Real não tinha vôos diários os artistas faziam as suas apresentações e ficavam na cidade, integrando-se à sua vida alegre e hospitaleira, esperando o vôo que os levaria a Fortaleza ou de volta ao Rio de Janeiro. Lembro-me, por exemplo, do meu tio Hermógenes Martins, que tinha uma extrema facilidade de se relacionar com qualquer pessoa, levando o Orlando Silva até o armazém onde o meu pai trabalhava, para saber do resultado de um jogo do Flamengo. Em outra ocasião, a Doris Monteiro, na calçada da minha casa, conversando com o Diretor da Rádio, Wilson Machado. Eu ouvia admirado, por não entender nada do que ela falava. O sotaque carioca, para mim, era como uma língua estrangeira.
Um dos artistas que mais se integrou à cidade foi o Nelson Gonçalves. Ele ficava na Sorveteria Glória cantando suas belas canções, acompanhado ao violão pelo meu tio Gervásio Martins, irmão do Luís. A bebida dele era especial. Ele mesmo preparava. Chegava ao balcão e pedia à Maria das Neves, funcionária da Sorveteria, para esquentar dois ovos. Enquanto isso, pedia ao Luís, uma Pitu. Falava bem rápido, para disfarçar a gagueira. Colocava a cachaça pela metade do copo. Quando os ovos estavam mornos, despejava no copo, colocava o sal e, com uma colher grande mexia aquilo tudo. De uma talagada só, bebia aquela gororoba.O Gervásio, que tocava com perfeição, embora tivesse só 5% da visão, o aguardava para novos momentos de boa música. Eram tempos tranqüilos e felizes... Ficou famosa a dança do mambo jambo, do Nelson Gonçalves com a Regina Helena, em uma festa no Crato Tênis Clube.


Um dos roteiros turísticos imperdíveis do Crato, era a Nascente. Tanto pelo bucolismo da região, quanto pelo famoso “banho da Nascente”, fonte de onde foi canalizada a água para acionar uma turbina inglesa, que gerou energia para a cidade durante muitos anos. O banho era na saída da água da turbina ou na captação, na encosta da Serra. Era o programa de fim de semana das famílias cratenses. À noite, quando não havia freqüência das famílias, constituía-se em cenário de encontros amorosos de casais, em contato direto com a natureza. E o Nelson Gonçalves, como não podia deixar de ser, quis experimentar o banho da Nascente, com tudo a que tinha direito. E foram buscar, na Glorinha, as profissionais. A Glorinha não quis liberar. Só o fez quando alguém falou:
- “Deixe de ser besta! O que é que você está pensando? É pra Nelson Gonçalves, Glorinha!!!”
A CORTINA
A função de porteiro do Zé Porrada na Rádio Araripe não foi das mais fáceis. Dois meninos atazanaram a vida dele. O meu irmão Marcelo, cinco anos mais novo do que eu, e um colega dele, o Antônio Querginaldo, que morava quatro ou cinco casas depois da nossa.
O Zé Porrada estava tranqüilamente no seu posto de porteiro do cinema da Rádio Araripe, se preparando para começar os seus famosos cochilos, quando começou a ouvir assobios e reclamações da platéia, em altos brados. Rapidamente entrou no auditório para saber o que estava acontecendo. Percebeu que a cortina que cobria a tela não tinha sido aberta. Já estava passando o Jornal Atlântida e ninguém conseguia ver nada, com a cortina fechada.
Acontece que o Marcelo e o Querginaldo, de tanto insistirem com o Wilson Machado, Gerente da Rádio, tinham recebido a “tarefa” de abrir a cortina, um a cada vez. O Zé Porrada correu para a cortina e, chegando lá, encontrou atrás da tela os dois meninos embolados no chão, na maior briga. Cada um achava que aquele era o seu dia de abrir a cortina...
FILME IMPRÓPRIO
O Marcelo, o Querginaldo, o Paivinha, e outros meninos da rua costumavam usar de dois artifícios para ver os filmes impróprios. Sentavam-se todos no muro do jardim da casa do Sr. Araújo (representante da Sousa Cruz), na frente da Radio Araripe. Esperavam o Zé Porrada dormir, debruçado sobre a urna onde eram colocados os ingressos. Não demorava muito e o Zé dormia. Então todos eles, um a um, pé ante pé, passavam pelo Zé e sob o único obstáculo que os separavam do cinema: uma corrente cromada de mais ou menos metro e meio. Os meninos costumavam ir para a primeira fila e se acomodavam embaixo das cadeiras, para não serem vistos. Quando o filme terminava, o Zé se surpreendia com os meninos saindo e perguntava surpreso:
- “Como é que vocês entraram?”
- “O xente, você dormiu...”.
O outro artifício se limitava a um deles entrar e abrir a cortina que bloqueava a porta secundária de saída do auditório do cinema. Esta porta tinha umas aberturas na sua parte superior. Sentado no muro do jardim do Sr. Araújo, que era meio alto, tinha-se a perfeita visão da tela da Radio Araripe. Quando o Zé, alguma vez acordava e percebia aquele amontoado de meninos, inclusive eu, não tinha dúvidas: ia fechar a cortina, para o desagrado geral.
Por: Ivens Mourão
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