
MAIS ÁGUA
A abundância de água no Crato era tão grande, que a Prefeitura, nas décadas antes de cinqüenta, não cobrava taxa. Era de graça. Nos chafarizes públicos, nos bairros afastados, como testemunha o Luís, as pessoas não tinham o hábito de fechar as torneiras. Ficavam derramando água direto. Uma vez ou outra havia uma deficiência no abastecimento, provocada por um problema qualquer no sistema. Mas essa nossa parenta mantinha sempre uma bacia d’água, que era utilizada para diversas finalidades.Ali a empregada dava banho em dois ou três meninos. Como a parte dos fundos da sua residência era em tijolo de chapa aparente, sem qualquer revestimento, precisava ser mantido sempre úmido, para não levantar poeira. Quando a empregada ia jogar fora aquela água já reutilizada ela gritava:
- “Não, não, não, aproveita para aguar o quintal...”
BRIGA DE GALO
O Luís sempre foi um apreciador de briga de galo. Num terreno ao lado da casa dele tinha uma rinha. Assisti a muitas brigas nessa rinha. O acesso era em frente à minha casa, na Rua Nelson de Alencar. Era tudo muito bem organizado, com juizes e apostas centralizadas numa mesa. O que mais animava os galistas era a aposta. Tanto podia ser feita oficialmente na mesa, como entre os vizinhos, na pequena arquibancada em volta da rinha. Quando o galista conhecia os galos procurava apostar naquele que tinha maior fama. Um galista de outra cidade, que não conhecia os galos, tinha que observá-los quando eram postos para um rápido entrevero, justamente para descobrirem as qualidades de cada ave.
A cidade passou a ter um novo Juiz de Direito. Nesta mesma época o Presidente Jânio Quadros, através de um Decreto, proibiu brigas de galos e canários. Mas o Juiz, que era um viciado no esporte, não deu a mínima para o tal Decreto. E foi assistir às brigas. Não conhecia ninguém. Quando sentou na mini arquibancada, já ia iniciar um combate entre um galo pintado e outro vermelho. Já tinha passado o tal entrevero rápido e, portanto, estava sem saber em quem apostar. Para o verdadeiro galista a briga só tem interesse se ele aposta. Então, perguntou para o seu vizinho do lado direito:
- “Qual é o que você faz mais fé?”
- “O que?”
E o Juiz, sendo mais claro:
- “Qual é o bom?”
- “O bom é o pintado!”.
O juiz foi à mesa e apostou no pintado. Mal começou a briga, o pintado ‘chocou’. Ou seja, o galo aceita a derrota, baixa a cabeça e fica dando voltas na rinha, encostado da proteção e o ganhador a persegui-lo. É o nocaute. A briga é encerrada. O Juiz virou-se para o vizinho e reclamou:
- “Mas rapaz, você disse que o bom era o pintado!”.
- “Mas ele é bom mesmo! Ele não gosta de brigar não! Agora se você tem me ‘preguntado’ qual era o ‘pelvelso’ aí eu tinha dito que o ‘vremeio’ era o ‘pelvelso’”.
AGULHA NO PALHEIRO
Quando o Luís morou no Rio de Janeiro e, posteriormente, em Niterói, a sua casa era uma extensão do Crato. Com a generosidade e hospitalidade que são suas marcas registradas, Luís e Margarida recebiam a todo cratense que fosse ao Rio de Janeiro. Sua casa funcionava como uma autêntica embaixada. Era ponto obrigatório de visita de todo cratense que fosse ao Rio. O Dr. José Ribeiro Dantas, promotor do Crato, e os seus filhos chegaram a se hospedar na casa do Luís, na época em que morava em Niterói. Foi levar os filhos, Alcebíades e Lincoln, para estudarem no Rio. Seu primo, Deoclécio Ribeiro Dantas, era Reitor da Universidade Federal Fluminense, em Niterói, que era separado da cidade do Rio, então capital da República. Também era médico, cirurgião famoso, e tinha consultório no Rio. Dr. José Ribeiro resolveu fazer uma visita ao primo. Preferiu ir ao consultório, pois na Universidade seria impossível falar com ele. Pediu orientação ao Luís de como chegar à Rua Alcino Guanabara 96, no Rio. O Luís explicou que era muito fácil. Era só pegar a barca Niterói/Rio e desembarcar na Praça XV. De lá, pegaria a rua Sete de Setembro ou Rua da Assembléia, que vai sair na Avenida Rio Branco. Ao atravessar a rua vai estar nos fundos do Teatro Municipal. Quando chegar na frente do Teatro, olhando para direita tem o Bar Amarelinho. Fácil identificar, porque tudo é amarelo, inclusive as mesas e cadeiras. Chegando ao Bar Amarelinho, se sentar numa mesa para tomar um chop, perceberá que a Rua Alcino Guanabara começa no Bar. Então, é só procurar o número. E assim ele fez. Tomou o chop tranqüilamente e subiu a rua à procura do número. Acontece que era tempo de campanha política, as paredes estavam cheias de cartazes, principalmente do Carlos Lacerda. E, por coincidência, tinha sempre um cartaz encobrindo o número. E como o Dr. José Ribeiro era muito míope, dificultava mais ainda a sua procura. Parou num prédio onde tinha um engraxate e resolveu perguntar onde era o número 96. O engraxate disse:
- “Pela voz e pela cabeça só pode ser cearense. O senhor está no número 96. Com quem o senhor quer falar?”
- “Com o Dr. Deoclécio Ribeiro Dantas”.
- “Ele está aí”.
- “Como é que você sabe?”.
E o engraxate, mostrando o par de sapatos que estava engraxando:
- “Por que esses sapatos aqui são dele”.
A LAGARTIXA
O Bantim, da sorveteria, tem muitos casos engraçados. Ele era amigo do ‘Dom Juan’, que tinha uma bodega próxima à sorveteria dele. O Luís não sabe atinar o porque desse apelido. Não era um tipo bonito e nem tão pouco conquistador. Tinha também o apelido de ‘cego’. A sua grande habilidade, na verdade, era ‘matar’ charada. Ele e o Dedé de Zeba eram famosos na cidade por essa habilidade. No dia do seu aniversário o Bantim foi gozá-lo:
- " Ei velho, tá lascado, hein! Setenta anos! Pois eu tenho setenta e dois, mas não estou igual a você não! Eu ainda estou inteirinho. Estou tinindo, subindo pelas paredes!”.
- “Oxente, virou lagartixa!”
A LEI DE CHICO DE BRITO
O cratense Francisco de Brito ficou famoso em todo o Nordeste como Chico de Brito. É o pai do repórter da Globo, Francisco José, baseado em Recife. Por sinal a semelhança física é enorme. O Sr. Francisco era uma pessoa cheia de opiniões. Só prevalecia aquilo com que ele concordava. No seu território, era um verdadeiro rei. O Luís o conheceu sempre vestindo uma roupa caqui. A calça e a blusa, de mangas compridas, sempre da mesma cor e do mesmo tecido. Ai daquele que fosse contra uma opinião sua! O seu prestígio era tamanho que, se alguém perseguido pela polícia se segurasse em uma estaca da cerca das terras do Chico de Brito estava salvo! Nenhum policial se aventurava a prender alguém que se socorrera do velho, mesmo que fosse segurando numa simples estaca. As estórias são tantas, que hoje é impossível distinguir o que é verdade daquilo que é pura lenda. Surgiu, então, a expressão de “Lei de Chico de Brito”, quando alguém quer se referir a uma determinação fruto apenas da vontade própria.
A versão da história de como surgiu a expressão “Lei de Chico de Brito” está contada na Revista cratense A Província, em artigo assinado por Raimundo B. de Lima. Este ouviu o seu pai, José Barros Cavalcante, contar inúmeras vezes, por ter sido testemunha ocular. O meu cunhado, Edson Teixeira, também ouviu o testemunho de outro filho do Chico de Brito, Francisco Brito, a mesma explicação da expressão, que é a seguinte:
No Governo do Accioly, era intendente do Crato o Cel. Antonio Luís Alves Pequeno. A política virou, e assumiu o Governo do Estado o Cel. Franco Rabelo. Este nomeou para Intendente do Crato o Cel. Francisco José de Brito. O antigo Intendente não quis entregar o posto. O novo Intendente foi ao Lameiro e falou com outras figuras importantes da cidade: Francisco Calaça, Diógenes Frazão, Abdon da França Alencar, César Pereira. Com estes e mais outros homens de confiança, entre eles Augusto Pereira Amorim, foram até à Prefeitura, encontrando-a fechada. Colocaram a porta abaixo. O Cel. Francisco José de Brito sentou-se na cadeira do Intendente, como uma maneira de formalizar a posse. Nisto, surge o Dr. Irineu Pinheiro (veio a se tornar o maior historiador do Crato), sobrinho do Intendente deposto. Revoltado, perguntou:
- “Mas que Lei é esta, me diga?”
O novo Intendente sentenciou:
- “É a Lei de Chico de Brito! Esta Lei eu mesmo fiz”
Por: Ivens Mourão
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