REPRISE - Atendendo a um pedido de uma leitora do Blog do Crato
Os “carros de praça” alinhados em espinha de peixe na Praça Siqueira Campos. Ao lado, os respectivos motoristas.
O CACHORRO E O BOLO
Certo dia, de movimento
fraco, o Luís resolveu fechar a Sorveteria Glória mais cedo. Preferiu
participar de uma roda de conversa em um bar em frente, na própria Praça
Siqueira Campos. O proprietário era o Edson Donizetti, sobralense que
casara com uma cratense, a Sarita, irmã do Dr. Quixadá Felício, bastante
conhecido na cidade. Este, por sua vez, quando ficou viúvo casou com
uma irmã do Edson. Na calçada do bar, que era de esquina, estavam
várias freqüentadores sentados em torno de uma mesa. O Luís sentou-se
numa cadeira de costas para a rua e de frente para o bar. Ao lado dele,
na mesma situação, estava o Melito. Todos os demais, inclusive o
proprietário, estavam acomodados de frente para a rua e de costas para o
bar. O Edson estava explicando o motivo da grande quantidade de pessoas da família Frota em Sobral, bem como a origem do nome. No bar existia um “fiteiro”
que é uma espécie de balcão onde eram guardados os bolos e outras
guloseimas. Na parte da frente tinha vidro, para que todos pudessem ver
os produtos expostos. Fechando o fiteiro, na parte de trás, existiam
portas de correr. Naquele dia todas estavam abertas.
O bar, local da “farra” do cachorro ficava na esquina, à direita.
Nesse momento entra no bar, pelo outro lado da esquina, um “freguês” nada desejável: um cachorro vira-lata, hoje chamado “street dog”. Dirige-se para a parte de trás do fiteiro e vai direto num bolo “Bem Casado”.
Trata-se de um bolo amanteigado e mole. Imaginando o que poderia
acontecer, o Luís faz menção de avisar ao Edson e é interrompido
bruscamente pelo Melito que o segura pelo braço e o encara firmemente,
dizendo: - Luís, deixa o Edson contar a história dele! Por favor, não atrapalha! O Luís “captou a mensagem”
e, percebendo a verdadeira intenção do Melito, ficou quieto. E os dois
ficaram observando o cachorro e ouvindo “de longe” a história de uma
Maria da Frota, de Camocim. O cachorro, a cada mordida que dava no bolo, espirrava “Bem Casado”
pelas laterais da boca. Ele dava nova mordida e mais bolo era
espirrado. Por fim, enjoou desse bolo e foi para o vizinho, conhecido
como “Sousa Leão”. Estava partido em diversas fatias. Por ser
um bolo de boa consistência o cachorro pode abocanhar várias fatias e
sair com elas para comer tranqüilamente na rua. Quando terminou,
lambeu o paralelepípedo em busca das últimas migalhas do bolo. Sentou-se
nas patas traseiras e ficou lambendo os dentes e a boca. Percebendo que o cachorro estava satisfeito, o Melito resolveu comunicar o fato ao proprietário e disse:
- Oh Edson, vai dar um copo d’água a este cachorro!
- Por quê?
- Ele comeu todos os bolos do teu fiteiro e o bichinho agora está com sede!...O
que se viu, em seguida, foi o proprietário aos chutes e aos maiores
impropérios enxotar o vira-lata. Mas, na sua desabalada carreira, ele
ia, graças ao Melito, saciado, embora com sede...
NUM PNEU
No Crato era comum as pessoas chegarem a
uma idade bem avançada, quase centenárias. Alguns desses foram
encurvando, provavelmente por algum problema de coluna. Um que estava
com este problema muito acentuado mereceu o seguinte comentário do Chico
Soares, na Praça Siqueira Campos:
- “Sabe o Sr. Salim? Ele tá encurvando tanto, tá tão encurvado que, quando morrer vai ser enterrado dentro de um pneu...”
CORNO INDO E VOLTANDO
Chico Soares tinha um
filho de nome Chico Pão. Destacava-se bem no futebol do Crato. Certo dia
vinha dirigindo seu jeep quando percebeu o pai atravessando a rua,
calmamente. Resolveu, então, brincar com ele. Ao passar perto, gritou:
- Sai do meio da rua, “seu” corno velho!Chico, sem nem olhar para o motorista, respondeu, a todo pulmão:
- Corno é teu pai, “seu fela” da puta!
INGLÊS FLUENTE
Uma Universidade americana
resolveu desenvolver um projeto de auto-suficiência em uma região de um
país sub-desenvolvido, no intuito de aproveitar a potencialidade local e
investir no seu desenvolvimento. O Presidente da OEA de então, que era
brasileiro e cearense, ao tomar conhecimento do interesse da
Universidade, indicou a região do Cariri, no Ceará, para a implantação
dessa idéia. Assim, foi firmado um convênio entre a Universidade
americana e a Universidade Federal do Ceará, para implantação do Projeto
Asimov. Vieram vários técnicos americanos, todos jovens falando
ainda um português bem atravessado. Só com muita boa vontade era
possível entendê-los. Anos depois, no começo da década de oitenta,
realizei um trabalho num projeto com o Banco Mundial. Um dos técnicos me
chamou a atenção, pois falava bem o português, mas com um forte sotaque
caririense. Conversando com ele, soube que fizera parte desse projeto,
tendo morado no Crato. Perdera o sotaque americano, mas o do Crato... Muitas indústrias foram implantadas, tendo à frente pessoas da região. Posteriormente
foi oferecida, a alguns dos participantes do projeto, a oportunidade de
conhecer os Estados Unidos. Dentre eles foi o José Justino, habitual
freqüentador da Praça Siqueira Campos. Uma viagem dessas, na década
de sessenta, era um acontecimento! Um mundo totalmente novo! O José
Justino, que é moreno, resolveu assistir um filme. Ao entrar no cinema,
pensando que estava no Cassino, foi barrado por não ser branco. Encarou,
porém, esse fato com naturalidade, já que não estava em seu país.
Procurou um cinema só para pretos. Quando ia entrando, foi novamente
barrado: não era preto! O José Justino, perplexo, perguntou:
- “Que diabo eu sou, então? Não sou gente, não?”Esta
viagem rendeu muitos outros acontecimentos pitorescos. O José Justino
contou ao Luís o seguinte fato: um dos viajantes resolveu comprar um
relógio, para levar de lembrança. Não falava uma palavra de inglês, mas
isso não era problema, pois tinha certeza de que falava inglês
fluentemente. Com a maior naturalidade, dirigiu-se à vendedora e,
apontando para um relógio, falou, enrolando a língua:
- “Quanta custar esta relógia?”A moça totalmente atarantada, sem entender nada. E ele novamente falou:
- “Mim falar bem devagar. Mim querer esta relógia. Mim querer esta relógia. Quanto custar preço desta relógia?”.O José Justino, vendo aquela presepada, chegou e disse:
- “O que o senhor está falando não é inglês não. A moça não está entendendo nada!”E ele, indignado com aquele comentário:
- “Como não!!! Não é esse o inglês que os gringos falam pra gente lá no Crato e a gente entende tudo!...”
O ENTERRO
O Brigadeiro Macedo tinha uma fama de
birrento, ruim. Ele não ligava a mínima. Até gostava. Tornou-se grande
amigo do Chico Soares, conhecido como, ele próprio se dizia, o maior
caloteiro do Crato. Na verdade, o Chico era um grande brincalhão e não
se sabia o que de verdade tinha nessa fama de caloteiro. O Brigadeiro,
justificava esta grande amizade dizendo que, já que falavam que ele não
prestava, tinha que fazer amizade com quem não prestava também! Um dia
estavam os dois na Praça Siqueira Campos, quando ia passando o enterro
da primeira esposa do Professor José do Vale que, aliás, foi meu
professor. Lembro-me que, ao atravessar a porta da sala de aula, já ia
fazendo o sinal da cruz e rezando o “padre” nosso. A classe inteira,
instantaneamente, ficava de pé e rezava com ele.
A esposa do
professor, também professora, era muito estimada. Uma multidão
acompanhava o féretro. Os alunos dos diversos colégios, todos
uniformizados, faziam parte do cortejo. O Brigadeiro perguntou para o
Chico Soares:
- “Chico, será que no meu enterro vai ter tanta gente assim?”
- “Depende, Brigadeiro, se você for enterrado vivo!...”
SOLIDARIEDADE
Um grande amigo do Luís recebeu um
representante comercial de Fortaleza, com quem tinha negócios, e este
desejou visitar a Glorinha. Foi levá-lo para conhecer a mais famosa
boate da cidade. A sua esposa, por acaso, passou dirigindo o carro dela
em frente à boate da Glorinha. Para sua surpresa, viu o carro do marido
estacionado lá. Parou e foi confirmar de perto. Conferiu a placa. Ficou
um tempo pensando no que fazer. Depois saiu. Nisto, o guardinha que
cuidava dos veículos, entrou e foi avisar à Glorinha que a esposa do
amigo do Luís tinha reconhecido o carro dele. Imediatamente foi acionado
o esquema de proteção a marido infiel. A Glorinha fez parar um carro,
dirigido por um homem, e explicou-lhe a situação. Enfiaram o amigo do
Luís no banco de trás, com a ordem de despejá-lo, urgente, na Praça
Siqueira Campos. A esposa, ainda transtornada, ficou rodando na
cidade, arquitetando um plano para dar um flagra no marido. Pensou em
buscar a ajuda de umas amigas a fim de invadir o cabaré da Glorinha.
Nisto, passou na Praça Siqueira Campos e avistou-o, tranqüilamente
sentado num banco, numa roda de amigos. Estacionou o carro. Chegou perto
do marido e ele se adiantou, com a cara mais sonsa do mundo:
- “Oi, Amor! Você por aqui! Senta aqui.”
- “Onde é que está o teu carro?”
- “Ah, Bem! Eu emprestei para aquele meu amigo de Fortaleza! Ficou de me devolver agora, às 10 horas. Tô esperando por ele.”
MUITO MOVIMENTO
Um dia apareceu no Crato uma
pessoa de Altaneira, que estava se mudando para a cidade. Procurava um
ponto comercial para comprar. O Bantim, grande contador de estórias,
tinha um amigo proprietário de uma bodega quase sem nenhum movimento. O
negócio estava muito ruim e essa era uma oportunidade para ele se ver
livre daquele péssimo comércio. Então, propôs vender o ponto com tudo
dentro, pois estava querendo ir embora para Fortaleza. Marcou com o
interessado para ir conhecer a bodega. Mas, por sugestão do Bantim,
combinou com vários amigos para entrarem na bodega, um após o outro, e
‘comprar’ algum produto. Um comprava um rolo de fumo, outro um litro de
querosene, mais outro cigarro, alguém perguntando se algum produto já
tinha chegado etc. Ou seja, não parava de entrar freguês. Quando os
“atores” terminaram a encenação, o interessado disse:
- “É, estou
vendo que o seu ponto é muito movimentado. Mas, não era bem isso que eu
estava querendo não. Estou procurando um ponto de pouco movimento, só
para eu passar o tempo e não ficar dentro de casa”.
A CHUVA
Um dia o Chico Soares ia saindo de casa com a esposa e percebeu que estava “bonito para chover”, como diz o cearense. Sugeriu, então:
- “Antonieta vamos voltar para casa que vai chover”.Como
de fato. Foi só chegar e começou uma chuva pesada. Então ele saiu-se
com o seguinte comentário, que mereceu o devido protesto da Dona
Antonieta:
- “Antonieta, se esta chuva fosse de rapariga, eu ia
destelhar a casa, com a tua ajuda, tapar todos os esgotos para enchê-la
todinha de rapariga!”
NÃO IA MAIS SAIR DE LÁ
O Chico Soares também era
um freqüentador do cabaré da Glorinha. Ia mais para bater papo. Um dia,
estava com a esposa na Praça Siqueira Campos quando ia passando a
Glorinha. Falou para ela:
- “Antonieta você não conhece a Glorinha, não é? Olha, é aquela ali. Aquela loura!”
- “Eu quero lá saber de rapariga! Respeite-me, Chico”.
- “É porque você nunca foi lá! Se você fosse, não ia mais querer sair de lá!”
Por: Ivens Mourão - PROIBIDA A REPRODUÇÃO SEM AUTORIZAÇÃO DO AUTOR