APROVEITE A DORLuiz Gonzaga, o
‘rei do baião’, era natural de Exu/PE, cidade vizinha ao Crato, localizada do outro lado da Serra do Araripe. Cresceu indo em lombo de animal, para a feira do Crato. Depois de famoso, todas às vezes que ia a Exu, visitar os pais, não deixava de ir à “Princesa do Cariri” rever os amigos e fazer shows. Um dos seus amigos era o Manelito Alencar, com quem chegou até a fazer uma música, em parceria:
Eu sou do bancoDo banco, do banco,Eu sou do banco,Do Banco do Nordeste,Cabra da peste.Por outro lado, tinha que passar pela cidade, pois utilizava o aeroporto local para suas viagens. Antes da Rádio Araripe, seus espetáculos eram no Cine Cassino, que tinha um acanhado palco onde mal cabiam Luiz Gonzaga e seus acompanhantes. Como era um artista popular e muito querido, muita gente não podia assistir a seus shows devido o espaço reduzido do Cassino. Assim, procurava fazer um show em praça pública, para o povão, como dizia. O Cassino ficava defronte à praça Siqueira Campos. Ele então resolveu cantar na própria praça. À procura de um espaço elevado para colocar seu palco, divisou a marquise da Sorveteria Glória. Disseram-lhe, então:
- “O dono da Sorveteria é seu xará. É Luís Gonzaga, também”.- “É mesmo! Então vamos lá conversar com o meu xará”.Ao chegar, foi logo se apresentando com aquela simplicidade que lhe era peculiar. O Luís (meu tio) disse:
- “Você não precisa se apresentar. Tem alguém que não o conhece neste Brasil? Em que posso ajudá-lo?”
Da Praça Siqueira Campos o Rei do Baião divisou a marquise da Sorveteria Glória. Vou fazer meu show dali de cima!Quando o Rei do Baião explicou o seu desejo, o Luís esclareceu que a marquise não era muito confiável. O prédio era velho e ela já apresentava sinais de trincas. Não poderia suportar muita gente. Então o Luiz Gonzaga disse que ele não se preocupasse, pois ficariam só ele com os dois acompanhantes e os aparelhos de som. E assim foi feito. O show foi um sucesso! Minha irmã Yara, com meu irmão Marcelo no braço, recorda-se bem do espetáculo. Não sei por que não fui também! Uma das músicas de maior sucesso foi aquela que ele conta o drama da mulher no parto. Ele reproduzia um fato verdadeiro, no qual as parteiras do interior comandam as mulheres a fazer mais força quando vem a dor. Então ele dizia:
- “Aproveita a dor!!”.E o povão todo rindo! Não houve nenhum contratempo. A marquise resistiu ate à demolição do prédio, passados mais de cinqüenta anos de seu momento de maior glória! Quem teve problemas foi o Luís, o da sorveteria! No dia seguinte, um padre, foi reclamar:
- Como é que o senhor permitiu aquele show indecente e imoral em plena praça pública?- “Indecente e imoral por que?”- “Aquela música de ‘aproveita a dor’...”O TÉCNICO
Três clubes se destacavam no futebol do Crato. O Sport - o melhor - mais organizado e de maior torcida. Provavelmente devido às cores das camisas rubro-negras, como as do Flamengo. O Atlético, com as camisas mais para laranja do que vermelho. E o Cariri, de camisas brancas com duas listras separadas na diagonal, em preto e vermelho. Dos três, o mais modesto.
A Diretoria do Cariri decidiu convencer o Dr. Luís de Borba Maranhão de que ele era um excelente técnico de futebol. Na verdade, estavam de olho era no dinheiro dele. O certo é que ele pegou a corda e a sua estréia foi num clássico contra o Sport. O jogo foi no campo do adversário, no Bairro Barro Vermelho. O campo era de terra, o alambrado era um único arame que cercava as quatro linhas, e o fechamento do estádio era com palha. Joguei algumas vezes nesse campo, em torneio de times de garotos. A bola era oficial, de “pito”, como se chamava, e todos jogavam descalços.
Com o patrocínio do Dr. Maranhão, o Cariri lançou um atacante, Meinha, que tinha fama de goleador. O Luís se colocou ao lado do novo técnico, para observar suas instruções. O jogo disputadíssimo, mas com maior pressão por parte do Sport. Quase ao final do jogo, córner contra o rubro negro. A bola é lançada para o tumulto da pequena área. E o Meinha, entra de peixinho e, com a cabeça, empurra a bola para o fundo das redes do Sport. O técnico virou-se para o Luís e disse:
- Essa jogada eu combinei para lançar na cabeça do Meinha!
Ao final da partida, com a vitória do Cariri, o novo técnico foi carregado nos ombros pelos jogadores e Diretoria. Afinal de contas, era o grande patrocinador da Equipe...
Clube Atlético Cratense. O primeiro, em pé, da esquerda para a direita, é o Alagoano, cunhado do Luís. Foi quem me levou para assistir ao meu primeiro jogo de futebol. O segundo, agachado, da esquerda para a direita, é o Ossian Alencar Araripe, que chegou a ser prefeito do Crato e Deputado Federal. Era o craque do time e da seleção cratense.
O PICOLÉNo início da Sorveteria Glória, o Luís instalou o serviço de gelados. Eram sorvetes e picolés. Só no Crato tinha essa novidade. E, como não podia deixar de ser, o movimento era muito intenso. Como uma forma de organizar e dar um melhor atendimento aos fregueses, foi instituído um sistema de fichas. Para cada tipo de produto tinha uma ficha de uma determinada cor. A pessoa pagava na caixa registradora, recebia uma ficha correspondente e ia ao balcão dos gelados, se servir. Muitos vinham de longe, atraídos pela fama de que era tão gelado que queimava a boca.
Num determinado dia, uma senhora de meia idade foi à Sorveteria, experimentar a novidade. Pagou o preço de um picolé e recebeu uma ficha amarela. Devido ao grande movimento, ninguém percebeu que ela começou a chupar a ficha. Passados alguns minutos ela voltou ao caixa e, em altos brados, exclamou:
- “Vocês me roubaram! Esta porcaria não tem gosto e também nem queima a boca da gente!”
PULIÇAPuliça era um bêbado comum. É o que se pode chamar de bêbado crônico. Magro, feio e sujo. Gostava de sentar-se na Praça Siqueira Campos sempre só e, claro, bêbado. Vivia resmungando algo que ninguém entendia. Não queria a companhia de pessoa alguma. Caso alguém sentasse ao seu lado, imediatamente mudava-se para outro banco. Também ninguém gostava de chegar perto dele, pela mania que tinha de não tomar banho. Certa manhã, num feriado, chegou ao Crato, proveniente de Cajazeiras/PB, uma excursão de jovens estudantes. Logo que uma delas desceu do ônibus e pisou na Praça, foi logo avistando um grupo de rapazes e exclamou para as outras colegas:
- “Gente, aqui tem muito rapaz bonito!”.
O Puliça, que estava sentado num dos bancos, imediatamente melhorou um pouco a postura (que era sempre encurvada), e exclamou bem alto:
- “E é porque ainda não tomei banho hoje!”
O APELIDOEsta outra estória de médico e roceiro me foi contada pelo meu pai. Mas, segundo o Luís, também circulou na Praça.
Um daqueles coronéis dono de engenho, homem da roça, falou para a filha, moça, de boa instrução, que a mãe dela estava com um problema de saúde. A filha logo identificou que a mãe estava com uma crise de hemorróidas, precisando ir urgente a um médico. Com muito jeito, conseguiu convencer o pai da necessidade da consulta. Orientou-lhe para que, quando fosse falar com o médico usasse a palavra “ânus”, por ser mais elegante e apropriada ao linguajar da medicina.
Foram os três para o consultório. A sala de espera do médico, repleta. O casal de velhos era conhecido por todos.
Chegando a vez deles, entram os dois. A filha fica na sala de espera. Pouco depois a porta se abre e aparece só a cabeça do velho. Com um vozeirão bem alto, bem arrastado, fala para a filha:
- “Ô filha! Como é mesmo o “apelídio” que tu botou no c* da tua mãe?
O PAPAO Dr. Wilson Gonçalves foi um dos políticos mais destacados do Crato. Foi Prefeito, Deputado Estadual, Federal, Senador e até Vice-Governador. Na época em que foi prefeito nasceu a idéia da Exposição de gado, hoje tão famosa. Sempre que seus afazeres o permitiam, ia ao Crato, para os habituais contatos com “as bases”. A sua residência era na Bárbara de Alencar, próxima ao Crato Hotel. Quando estava na cidade sempre tinha um grupo que não o largava para nada. Eram devotados correligionários. Dentre estes se destacava Maildo Rodovalho de Alencar. Numa dessas ocasiões, o Maildo ia passando na Praça Siqueira Campos, em direção à casa do Dr. Wilson, quando o Walter Peixoto o chamou. Waltinho era adversário político do Dr. Wilson, mas mantinha boas relações de amizade com ele. Walter, então, falou:
- “Maildo, Maildo, venha cá. Ouça aqui esta nota que saiu no jornal de Fortaleza sobre o Dr. Wilson”.
Walter tinha dobrado o jornal, de tal maneira que só se destacava a tal nota. Maildo não enxergava bem e ficou de longe, vendo o jornal. Walter passou a fazer de conta que estava lendo:
- “O Papa acaba de condenar a candidatura de Wilson Gonçalves para qualquer cargo eletivo. Quem votar nele vai para o inferno, pois além dele ser comunista, é maçom. A pena é a excomunhão automática”.
Maildo ficou lívido, pensativo. Aproximou-se mais de Walter e disse:
- “Leia esse negócio aí de novo”.
Walter voltou a “ler” e depois ainda explicou:
- “Maildo excomunhão significa não perdão na hora da morte e passagem direta para o inferno”.
Maildo ficou um tempo parado, olhando para o Walter. Em seguida deu meia volta e comentou:
- “Papa fresco”.
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