
Foto: Loja "A Pernambucana" - Crato
A CARRADA
Um dia, O Luís estava estacionando o seu carro na “sombra do BEC”, local da antiga Casa dos Leões, quando ouviu o chamado do Chico Soares, que estava na Praça.
- “Luisinho, Luisinho, vem cá! Velho não vale nada!! Acabou de passar por aqui um caminhão com uma carrada de estrume. Chega ia derramando pelas laterais! Luisinho, estrume não é bosta?
- “É. Pode ser de vaca, de bode, de galinha. Mas é sempre bosta”.
- “Por aí você vê como nós, velhos, não valemos nada”.
- “Mas, por que, Chico?”
E o Chico, indignado:
- “Alguém quis comprar essa carrada de estrume e o dono se negou a vender. Disse que aquela já estava vendida e tinha outras tantas para entregar. E que não estava mais encontrando estrume. As próximas vendas já seriam por um preço muito mais alto. Agora eu te pergunto, Luisinho. Se alguém passasse aqui com uma carrada de velho, oferecendo de graça, alguém ia querer ficar com pelo menos algum de nós?...”
NUM PNEU
No Crato era comum as pessoas chegarem a uma idade bem avançada, quase centenárias. Alguns desses foram encurvando, provavelmente por algum problema de coluna. Um que estava com este problema muito acentuado mereceu o seguinte comentário do Chico Soares, na Praça Siqueira Campos:
- “Sabe o Sr. Salim? Ele tá encurvando tanto, tá tão encurvado que, quando morrer vai ser enterrado dentro de um pneu...”
NOS BRAÇOS
Muitos membros de uma família no Crato eram portadores de uma estranha doença. Apresentavam problemas nas pernas, ficavam sem forças. Um deles, o Joaquim, quando ia passar a marcha do seu carro tinha que ajudar a perna com a mão. Da mesma forma para sair do veículo.
Um dia na praça, o Luís, Chico Soares e outros, começaram a tratar dos parceiros do jogo de baralho, no seu apartamento. O Joaquim perguntou:
- “Tem um lugarzinho para mim, hoje?”
- “Tem Joaquim. Pode ir!”
O Chico Soares, que ia para o jogo, achando que o Joaquim não dava conta de subir as escadas, disse logo:
- “Olha, Luís, mas eu não vou subir tuas escadas com o Joaquim nos braços, não!!”
CORNO INDO E VOLTANDO
Chico Soares tinha um filho de nome Chico Pão. Destacava-se bem no futebol do Crato. Certo dia vinha dirigindo seu jeep quando percebeu o pai atravessando a rua, calmamente. Resolveu, então, brincar com ele. Ao passar perto, gritou:
- Sai do meio da rua, “seu” corno velho!
Chico, sem nem olhar para o motorista, respondeu, a todo pulmão:
- Corno é teu pai, “seu fela” da puta!
O SABOR DO PICOLÉ
Desde que comuniquei, através do Blog do Crato, coordenado pelo Dihelson Mendonça, o endereço deste Livro na Internet, tenho recebido comentários.
O Antônio Morais, muito amigo do meu tio Luís, contou mais alguns “causos” do Chico Soares, que me apresso a incluí-los no “Só no Crato...”
Quando o meu tio foi morar no Rio de Janeiro, repassou a Sorveteria Glória para o Sr. Miguel Siebra de Brito. Em certa ocasião estava ele na sorveteria, fazendo companhia ao Chico Soares, que tomava uma cerveja. Então, tocou o telefone e ele foi ao escritório atender, e pediu para o Chico prestar atenção ao local.
Nesse momento, entram duas estudantes do Colégio Santa Teresa e perguntam se tem picolé. O Chico, de imediato, disse que sim. Elas, lógico, indagam de que é que tinha. Ele vai até o freezer, levanta a tampa e observa uma variedade de picolés, em diversas cores. Sem ter a menor idéia dos sabores, vira-se para as mocinhas e diz:
- De grude!
A MÃE DO QUIXABA
O Quixaba era muito conhecido no Crato. Nos dias de hoje seria dito ser um autêntico afro-descendente. A sua cor negra era pura, imprescindível saber para entender o presente fato.
O Sr. Antônio Morais namorava a filha do Sr. Miguel Siebra, na época em que o Chico Soares espantou as freguesas com o tal picolé de grude.
Somente dez anos após o casamento, teve coragem de contar essa história para a Dona Nair. Ela, que já não simpatizava com o Chico Soares, criou mais abuso dele.
Depois de alguns anos, resolveu levar o Chico Soares para almoçar em sua casa, numa tentativa de acabar com essa mal querença.
A esposa do Sr. Antônio é uma católica fervorosa e, como tal, devota de Nossa Senhora Aparecida. Na sala principal e em local de grande destaque tem uma imagem de uns 30 cm de altura, da padroeira do Brasil. O Chico, usando a máxima de que perde o amigo, mas não perde a piada, disse:
- Dona Nair, onde foi que a senhora encontrou essa imagem da mãe do Quixaba?
Até hoje, quando o Sr. Antônio fala do Chico Soares para a Dona Nair, ela diz, com enorme desprezo:
- Não sei como você pode ter sido amigo dum cabra daqueles!
JOSINO
A conversa estava animada entre os freqüentadores da Praça Siqueira Campos, mas sentiram a falta do Josino e da sua famosa frase: “Vai correr uma mão de...”
- “Cadê Josino? Nunca mais ele apareceu por aqui!”
Até que alguém soube que ele tinha sido hospitalizado e estava em casa, ainda muito doente. O Brigadeiro Macedo sugeriu:
- “Pessoal, vamos fazer uma visita ao Josino. Afinal de contas, é nosso companheiro daqui. Pode ser que ele esteja precisando de alguma coisa”.
Mas ninguém sabia onde morava o Josino. Por fim, descobriram que ele morava para as bandas do Seminário. E lá foi a comitiva, em busca da casa do Josino. Perguntaram a uma pessoa que deu a informação correta:
- “É aquela casa onde tem uma gaiola com um cabeça vermelha”.
Ao chegarem, encontraram o Josino deitado numa cama Patente, bastante cadavérico e arquejando. Uma irmã, já velha, cuidava dele. Quando o grupo ficou em torno da cama, Josino falou para a irmã:
- “Trás aí uma mão de cadeira”.
- “Não se preocupe não, Josino. Nós estamos bem. Você logo, logo vai ficar bom e voltar lá para a praça.!”
Demoraram mais um pouco e o Josino voltou a falar para a irmã:
- “Ô menina, trás aí uma vela que vai correr uma mão de mooooorte...”
E morreu mesmo!!!
PÁSSARO DE DOIS BICOS
O Juvêncio Bezerra era proprietário de um caminhão. Costumava fazer fretes para o sul e de lá para o Ceará. Sua técnica para conseguir fretes de retorno eram umas histórias fantásticas que ele contava. Só um detalhe: era tudo mentira. E ele conversando com o Luís, na Praça Siqueira Campos:
- “Mas Luís, paulista é o bicho mais besta do mundo! Todas as mentiras que eu conto eles acreditam! Um dia eu me ofereci para levar uns passarinhos daqui do Crato, para agradá-los, e eles me pediram um Curió. Então eu expliquei que Curió é de Minas ou Goiás. Não é daqui. Eles insistiram, e eu disse que ia levar um Bico de Lacre, passarinho que só existe na Serra do Araripe, perto do Crato. Disse que ele tinha dois bicos. Ficaram admirados demais! Eu ainda exagerei. Disse que um bico era pra cantar e o outro pra comer. Pra quê fui falar! Logo apareceram vários interessados, já querendo me dar dinheiro adiantado. Cada um oferecia mais. Porém eu disse que era um passarinho muito difícil de pegar. Então perguntaram como era que ele cantava e comia ao mesmo tempo. E eu expliquei que usava um bico de cada vez”.
- “E ai Juvêncio, você ainda está enrolando esses paulistas?”
- “Não, eu não voltei mais lá. Tenho que arranjar frete com outros. Desta vez exagerei na mentira”.
INGLÊS FLUENTE
Uma Universidade americana resolveu desenvolver um projeto de auto-suficiência em uma região de um país sub-desenvolvido, no intuito de aproveitar a potencialidade local e investir no seu desenvolvimento. O Presidente da OEA de então, que era brasileiro e cearense, ao tomar conhecimento do interesse da Universidade, indicou a região do Cariri, no Ceará, para a implantação dessa idéia. Assim, foi firmado um convênio entre a Universidade americana e a Universidade Federal do Ceará, para implantação do Projeto Asimov.
Vieram vários técnicos americanos, todos jovens falando ainda um português bem atravessado. Só com muita boa vontade era possível entendê-los. Anos depois, no começo da década de oitenta, realizei um trabalho num projeto com o Banco Mundial. Um dos técnicos me chamou a atenção, pois falava bem o português, mas com um forte sotaque caririense. Conversando com ele, soube que fizera parte desse projeto, tendo morado no Crato. Perdera o sotaque americano, mas o do Crato...
Muitas indústrias foram implantadas, tendo à frente pessoas da região.
Posteriormente foi oferecida, a alguns dos participantes do projeto, a oportunidade de conhecer os Estados Unidos. Dentre eles foi o José Justino, habitual freqüentador da Praça Siqueira Campos.
Uma viagem dessas, na década de sessenta, era um acontecimento! Um mundo totalmente novo! O José Justino, que é moreno, resolveu assistir um filme. Ao entrar no cinema, pensando que estava no Cassino, foi barrado por não ser branco. Encarou, porém, esse fato com naturalidade, já que não estava em seu país. Procurou um cinema só para pretos. Quando ia entrando, foi novamente barrado: não era preto! O José Justino, perplexo, perguntou:
- “Que diabo eu sou, então? Não sou gente, não?”
Esta viagem rendeu muitos outros acontecimentos pitorescos. O José Justino contou ao Luís o seguinte fato: um dos viajantes resolveu comprar um relógio, para levar de lembrança. Não falava uma palavra de inglês, mas isso não era problema, pois tinha certeza de que falava inglês fluentemente. Com a maior naturalidade, dirigiu-se à vendedora e, apontando para um relógio, falou, enrolando a língua:
- “Quanta custar esta relógia?”
A moça totalmente atarantada, sem entender nada. E ele novamente falou:
- “Mim falar bem devagar. Mim querer esta relógia. Mim querer esta relógia. Quanto custar preço desta relógia?”.
O José Justino, vendo aquela presepada, chegou e disse:
- “O que o senhor está falando não é inglês não. A moça não está entendendo nada!”
E ele, indignado com aquele comentário:
- “Como não!!! Não é esse o inglês que os gringos falam pra gente lá no Crato e a gente entende tudo!...”
Por: Ivens Mourão - Todos os Direitos Reservados