Aquele cavaleiro
havia corrido léguas de chão
depois de nadar por mais de mil águas
para enfrentar o terrível monstro que vigiava a donzela
Presa na torre
chorava infeliz tão triste sorte
Quando estava pra nascer
a velha bruxa conselheira do tirano que governava o sertão da sempre-noite
previu que a luz destruída pelas lanças encantadas vindas das trevas misteriosas
ressurgiria com todo seu esplendor se a bela fosse beijada e amada por um valente de coração nobre
E
nem bem saiu do ventre
um anjo de fumaça encarvoada a sequestrou
Nenhuma
chama ou facho de claridade animava os olhos do povo, que sofria
Mas
o guerreiro
alimentado com as últimas das últimas fagulhas de sol
escalou as quase infinitas altitudes e travou intensa luta em nome de sua dona
A fera
de cem braços com mãos de longas unhas de aço puro e cortante
de dez cabeças, enormes olhos nas testas, bocas cuspideiras de veneno letal
o atacou impiedosa e violentamente sem dar trégua, descanso ou chance de revide
Durante mil dias
o homem agiu com ódio em sua peleja desigual
Enfraquecido
já tombando diante da força do poderoso oponente
caiu de joelhos e, iluminada pelas faíscas de sua espada,
viu a silhueta da formosa donzela que devia ser libertada com o êxito de sua empreitada
Num transe
de minúsculos segundos
invadiu-lhe a alma um amor sem tamanho e sem medida
Movido
por essa energia miraculosa
a força de seu braço ganhou a dimensão do universo
e ele rodopiou feito o vento e de um só golpe cortou as dez cabeças do demônio
Alcançou
o cativeiro da bela aprisionada
beijou-a e amou-a como jamais em parte alguma da terra
ou da história de qualquer lugar havia sido visto ou acontecido
Apoteoticamente
fez-se luz no sertão
e todo o mal foi varrido para os confins do nada
e a alegria, a beleza e a felicidade voltaram ao cotidiano daquela gente
O cavaleiro e a donzela
rumaram, então, para seu leito de flores
Cacá AraújoCrato-Cariri-Brasil