GORDURINHAPor Zé Nilton
“Meu DeusPor que é que nessa terraPedem paz e fazem guerraE fazem guerra pela pazMeu DeusPor que é que os homens agem Sempre em nome da coragemA apunha-las só por trásA fortuna correndo atrásDe quem já tem dinheiroE o faminto se foge da fomeEla vai atrásÓh, meu Deus o sertão está secoSó chove na praiaO oceano está cheio de águaNão precisa maisMuita gente com a reza na boca E o ódio no peitoO cristão fazendo mal feitoCom a Bíblia na mãoA ganância na terra entre os homensGerando conflitoE a ciência a serviço do mal E da destruição”... (Gordurinha: “Prece para os homens sem Deus”)
O nome Waldeck Artur de Macedo tem tudo para representar um sujeito muito sério, compenetrado e porque não dizer, sisudo e arredio. Contudo, a figura nomeada por tão pomposa graça não é nada disto. Começou a vida artística, lá pelos anos de 1938, em Salvador, como comediante e humorista, por tratar-se de uma pessoa alegre, brincalhona e de bem com a vida. Gordurinha, que era magro e esbelto, logo ganhou notoriedade pelo jeito esculachado de ser, pela sua fina verve humorística e pelo sarcasmo que iria ser disseminado em suas letras anos mais tarde. Disse em sua música que “cabeça grande é sinal de inteligência”, e com este dom (que independe do tamanho da caixa craniana), antecipou muitos movimentos musicais.
Na letra de “Chiclete com banana”, onde declara, à guisa de Adriano Suassuna, seu desprezo pela presença americana em nossa cultura, lembra a sacada tropicalista, de fraseado antropofágico, quando sugere na letra:
“Só boto bebop no meu samba,
Quando o tio Sam pegar no tamborim
Quando ele pegar no pandeiro e no zabumba
Quando ele entender que o samba não é rumba”...
Já na música “O vendedor de caranguejo” fala da sobrevivência no mundo do mangue, da lama, e na criação de um tipo de humanidade, o vendedor de caranguejo , preso à rotinização que acaba por configurar um tipo de sub cultura, mais tarde tão bem expressado pelo movimento mangue-beat, de Chico Science. Foi um defensor da música regional, e muito criticou os preconceitos e os estereótipos com que o sudestinos marcam os nordestinos. Escreveu na capa do LP do Trio Nordestino, em 1972, um desabafo contra essa de que somos uns paus de arara. Disse que “Pau de Arara é a vovozinha”, música que abre um dos melhores discos dos gloriosos, Lindú, Cobrinha e Coroné. Gozou também com a bossa nova, ridicularizando em suas rimas pobres e pouca ou nenhuma proposta. Gordurinha tinha uma predileção pelo Ceará. Cantou a secas e as enchentes cearenses, pediu clemência ao Padre Cícero, exaltou a Praça do Ferreira.
É a atração desta quinta-feira no programa: Compositores do Brasil, a partir das 14 horas, na Rádio Educadora do Cariri. Vamos falar de Gordurinha como uma das expressões da música nordestina cantada com a força e a graça da musicalidade baiana, de onde veio este excelente compositor brasileiro, que viveu as mais deferentes artes – cinema, teatro, música, locução radiofônica em Salvador e no centro do mundo – o Rio de Janeiro, de sua época. Dentre as músicas de seu vasto cancioneiro, selecionamos o seguinte roteiro. Vamos ouvir e falar de:
Tenente Bezerra, de Gordurinha com Gordurinha, gravação continental de 1959.
Uma prece para homens sem Deus, de Gordurinha, com Ary Lobo, de 1969;
Trem da Central, de Gordurinha e Mary Monteiro, com Marinês e sua gente, gravação da RCA Victor, de 1960.
Bossa quase nova, de Gordurinha, com Gordurinha, gravação original pela continental de 1961.
De trás pra frente, de Gordurinha, com Gordurinha, 1962;
Baianada, de Gordurinha, com Gordurinha, gravação da continental, de 1959.
Baiano burro nasce morto, de Gordurinha, com Gordurinha, do LP. Gordurinha tá na praça, gravação da Continental de 1959;
Pedido ao padre cicero, de Gordurinha, com Gordurinha, grvação original de 1959.
Vendedor de caranguejo, de Gorduinha, com Gordurinha, gravada pela Continental em 1958;
Súplica cearense, de Gordurinha e Netinho, com Luiz Gonzaga, gravação original da continental de 1960;
Mambo da Cantareira, de Gordurinha, com Gordurinha, gravação da continental de 1960;
Pau de arara é a vovozinha, de Gordurinha, com Trio Nordestino,1972.
Chiclete com banana, de Gordurinha e Almira Castilho, com Jackson do Pandeiro, gravação original pela continental, de 1959.