Fonte: VejaEnquanto o PT festeja seus mensaleiros, o presidente Lula propõe que os corruptos sejam tratados como criminosos hediondos, com penas mais duras do que as que já existem
CALEIDOSCÓPIO
Lula compara a corrupção à droga, enquanto o PT e a ministra Dilma Rousseff, candidata do partido, afirmam que mensaleiros como José Dirceu (de costas) são vítimas de perseguição
Não é por acaso que o Brasil ocupa um vergonhoso lugar no ranking mundial dos países contaminados por elevados índices de corrupção. Os escândalos envolvendo políticos, parentes de políticos e amigos de políticos parecem episódios de um seriado que não tem fim. Os personagens podem mudar, mas o enredo é sempre o mesmo: o corrupto é pilhado enchendo os bolsos de dinheiro, segue-se uma passageira onda de indignação e, no fim, nada acontece.
O corrupto continua sua vida livre, leve, solto e, quase sempre, também muito rico. Para interromper esse ciclo vicioso, especialistas apontam a punição como a arma principal, se não para acabar, ao menos para reduzir o problema. Depois de seis anos, onze meses e nove dias e vários escândalos em seu governo, o presidente Lula apareceu em público para condenar a corrupção – e com uma inédita veemência. Em discurso, comparou o poder destrutivo da corrupção ao de uma droga, que, sem que se perceba, pode estar presente dentro da própria casa. Depois, criticou o Congresso por não votar projetos de reforma política e, por fim, apresentou sua proposta para atacar de frente o problema: um projeto de lei que pretende transformar a corrupção em crime hediondo.
Hediondo é algo repulsivo, sórdido, que provoca indignação. A pedofilia, o sequestro e o estupro são considerados pela lei como crimes hediondos, punidos com penas mais severas. Ao roubarem dinheiro público, os corruptos estariam sujeitos ao mesmo rigor, o que, teoricamente, é uma excelente iniciativa. Ocorre que o problema da corrupção tem raízes mais profundas. As mudanças substanciais propostas pelo governo se dariam depois de uma eventual condenação. A pena mínima para um corrupto, hoje de dois anos, passaria para seis anos, e a máxima chegaria a dezesseis. Os corruptos só poderiam reivindicar benefícios, como trabalhar fora da prisão, depois de cumprir dois quintos da pena.
Os grandes escândalos, porém, têm sempre políticos envolvidos, que gozam de excepcionais privilégios, como foro especial. É nesse ponto que surge a primeira curva em direção à impunidade. Deputados, senadores e ministros, por exemplo, só podem ser investigados e julgados pelo Supremo Tribunal Federal (STF). Apesar da profusão de denúncias de corrupção, nos últimos vinte anos nenhum político foi punido. A maioria dos casos prescreveu sem que fossem a julgamento. Ou seja, de nada adianta simplesmente aumentar as penas se, hoje, os corruptos não chegam sequer a julgamento. No Superior Tribunal de Justiça (STJ), onde são analisados os casos dos governadores acusados de desvios, a situação não é diferente. Segundo a Associação dos Magistrados Brasileiros, apenas 1% dos processos contra autoridades resulta em alguma condenação e, ainda assim, as penas acabam convertidas pelos juízes em multas irrisórias. É como declarar guerra a uma praga de insetos sem usar inseticida.
Outro problema é que o Congresso Nacional demonstra tanto empenho em aumentar o cerco legal aos corruptos quanto o senador Wellington Salgado em cortar o cabelo. Há anos, tramitam no Legislativo diversos projetos sobre o tema, alguns do período em que eclodiu o escândalo do mensalão petista. Um deles é do então senador Hélio Costa (PMDB-MG), ministro do governo Lula, que propunha transformar a corrupção num crime inafiançável e imprescritível. Um ano antes, o ex-deputado Babá, então do PT, havia protocolado um projeto idêntico ao do governo, tipificando a corrupção como crime hediondo. Eles nunca foram a plenário para votação. Trazida à tona em meio a denúncias contra a oposição, depois de varridos para debaixo do tapete os escândalos petistas, a proposta do presidente Lula soa oportunista.
Antes tarde do que nunca, porém. Diz o jurista, professor e juiz aposentado Luiz Flávio Gomes: "É preciso atacar o bolso dos corruptos. Eles devem ser obrigados a pagar com a liberdade e a devolver o dinheiro roubado dos cofres públicos. É assim que se faz justiça, e é com exemplos desse tipo que você inibe os criminosos".
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