
"Pai dos Pobres" provocou milagre econômico no Brasil
Por: Jens Glüsing(DER SPIEGEL)
Tradução: George El Khouri Andolfato
O Brasil é visto como uma história de sucesso econômico e sua população reverencia o presidente Luiz Inácio Lula da Silva como um astro. Ele está na missão de transformar o país em uma das cinco maiores economias do mundo por meio de reformas, projetos gigantes de infraestrutura e explorando vastas reservas de petróleo. Mas ele enfrenta obstáculos.
Elizete Piauí aguarda pacientemente por horas à sombra de uma mangueira. Ela calça sandálias de plástico e veste um short largo sobre suas pernas finas. A 40ºC, o ar tremula neste dia incomumente quente na Barra, uma pequena cidade no sertão, o coração do Nordeste brasileiro. Mas Elizete não se queixa, porque hoje é seu grande dia, o dia em que se encontrará com o presidente, que está trabalhando para fornecer água encanada para sua casa.
Em Sertania (Pernambuco), Lula vistoria as obras da transposição das águas do rio São Francisco
O barulho de um helicóptero sinaliza sua chegada. A aeronave branca sobrevoa a multidão antes de pousar. Uma escolta de batedores acompanha o presidente até a cerimônia.
Lula sai da limusine vestindo uma camisa branca de linho e um chapéu militar verde. Ignorando os dignitários locais em seus ternos pretos, Lula segue direto para a multidão atrás de uma barreira de segurança. "Lula, Papai!", chama Elizete. Ele a puxa até seu peito e aperta a mão de outros na multidão, permitindo que as pessoas o toquem, façam carinho e o abracem. Gotas de suor correm pelo seu rosto corado enquanto pessoas o puxam pela camisa, mas Lula se deixa embeber na atenção. Ele se sente em casa aqui, em uma das regiões mais pobres do Brasil.
O presidente passa três dias viajando pelo sertão. Ele conhece a rota. Ele veio à região pela primeira vez há 15 anos, em campanha, viajando de ônibus e ficando hospedado em locais baratos. Ele fazia paradas em todas as praças, sete ou oito vezes por dia, geralmente realizando seus discursos na traseira de um caminhão. Sua voz geralmente ficava rouca e fraca à noite e ele tinha que trocar sua camisa suada até 10 vezes por dia.
'Ele ainda é um de nós'
Agora ele viaja de helicóptero e carros blindados, com os carros da polícia, com suas luzes piscando, abrindo o caminho ao longo das estradas. Voluntários montam aparelhos de ar condicionado e bufês nos aposentos de Lula, às vezes até mesmo estendem um tapete vermelho. A imprensa critica as despesas, mas isso não incomoda a maioria dos brasileiros, porque eles têm orgulho de seu presidente. Ele chegou ao topo, eles argumentam, então por que não desfrutar de seu sucesso? "Ele ainda é um de nós", diz Elizete, "porque ele é o pai dos pobres".
Lula está familiarizado com o destino dos nordestinos pobres do Brasil. Ele nasceu no sertão, mas sua mãe colocou seus filhos na traseira de um caminhão e os levou para São Paulo, 2 mil quilômetros ao sul. A posterior ascensão de Lula ao poder começou nos subúrbios industriais de São Paulo. Sua mãe foi uma das centenas de milhares de pessoas carentes que deixaram o sertão atormentado pela seca, com seus campos ressecados e animais morrendo de sede, e migraram para o sul mais rico, para trabalhar como porteiros, garçons, operários de construção ou empregados domésticos.
Em um plano para tornar verde esta região árida, Lula está explorando as águas dos 2.700 quilômetros do Rio São Francisco, um rio vital para grandes partes do Brasil. O rio fornece água para cinco Estados, mas ele faz contorna o Sertão. Segundo o plano de Lula, dois canais desviarão água do rio por 600 quilômetros até as áreas atingidas pela seca. "É o mínimo que posso fazer por vocês", Lula diz às pessoas na Barra.
Projeto controverso
O megaprojeto, que exige a superação de uma diferença de altitude de 200 metros, tem um custo estimado de R$ 6,6 bilhões. Lula posicionou soldados na região para escavar os canais. Oito mil trabalhadores labutam nos canteiros de obras enquanto tratores e escavadeiras movem a terra pela estepe. Se tudo correr bem, 12 milhões de brasileiros se beneficiarão com o projeto de transposição de águas, que deverá ser concluído em 2025. É o maior e mais caro projeto de Lula, assim como provavelmente seu mais controverso.
Aqueles que o apoiam comparam Lula ao presidente americano Franklin D. Roosevelt, que represou o Rio Tennessee nos anos 30, para fornecer eletricidade à região, e que lançou o New Deal, um imenso programa de investimento para superar a Grande Depressão. Mas os críticos veem a obra como um imenso desperdício de dinheiro. O projeto também atraiu a ira dos ambientalistas e até mesmo o bispo da Barra já fez duas greves de fome contra ele. Ele teme que o projeto de transposição das águas secará ainda mais o rio, alegando que a irrigação beneficiaria principalmente o setor agrícola.
O bispo não está presente. Dizem que ele está participando de reuniões fora da cidade. Na verdade, o religioso está mantendo discrição. As críticas ao presidente são desaprovadas por sua congregação. Lula fala a linguagem das pessoas comuns, contando histórias de sua juventude aos seus simpatizantes, histórias dos tempos em que sua mãe o enviava para buscar água e ele voltava para casa equilibrando um balde pesado sobre sua cabeça. Ele tinha cinco anos na época.
O presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva (à frente), com o presidente da Petrobras, Sérgio Gabrielli, exibe mãos sujas de petróleo na plataforma P-34, em Vitória, Espírito Santo
O Brasil já foi chamado de "Belíndia", um termo cunhado por um empresário que via o vasto país como uma mistura entre a Bélgica e a Índia, um lugar com riqueza europeia e pobreza asiática, onde o abismo entre ricos e pobres parecia intransponível. Lula foi o primeiro a construir uma ponte entre os dois Brasis.
Agora ele é tanto o queridinho dos banqueiros quanto ídolo dos pobres. Com o chamado presidente operário no comando, o Brasil está atraindo investidores de todas as partes do mundo. Jim O'Neill, o economista chefe do Goldman Sachs, inventou a sigla Bric para as economias emergentes do Brasil, Rússia, Índia e China, prevendo um futuro brilhante para o gigante sul-americano. Mas seus colegas zombaram dele. A China e a Índia certamente tinham perspectivas, mas o Brasil? Por décadas o país era visto como um gigante acorrentado, atormentado por crises infindáveis e inflação.
Potência econômica ascendente
Mas hoje o "B" é a estrela entre os países Bric, com os especialistas prevendo um crescimento de até 5% para a economia brasileira em 2010. O Brasil está atualmente crescendo mais rápido do que a Rússia e, diferente da Índia, não sofre de conflitos étnicos ou disputas de fronteira. O país de 192 milhões de habitantes possui um mercado doméstico estável, com as exportações - carros e aeronaves, soja e minério de ferro, petróleo e celulose, açúcar, café e carne bovina - correspondendo a apenas 13% do produto interno bruto.
E como a China substituiu os Estados Unidos como maior parceira comercial do Brasil no início deste ano, o país não foi severamente afetado pela recessão no mercado americano como poderia ter sido. Os bancos do Brasil são fortes, estáveis e não encontraram grandes dificuldades durante a crise. Mais importante, entretanto, é o fato do Brasil ser uma democracia estável, ao estilo ocidental.
O país pagou sua dívida externa e até mesmo passou a emprestar ao Fundo Monetário Internacional (FMI). O governo acumulou mais de US$ 200 milhões em reservas e o real é considerado uma das moedas mais fortes do mundo. Especialistas internacionais preveem uma década de prosperidade e crescimento para o país. Lula prevê que o Brasil será uma das cinco maiores economias do planeta em 2016, o ano em que o Rio de Janeiro será sede dos Jogos Olímpicos. O país será sede da Copa do Mundo de 2014.
E ainda há os recursos naturais aparentemente ilimitados do Brasil, vastas reservas de água doce e petróleo. O Brasil exporta mais carne do que os Estados Unidos. E a China estaria em dificuldades sem a soja brasileira. Nos hangares da fabricante de aviões, a Embraer, perto de São Paulo, engenheiros brasileiros constroem aviões para companhias aéreas de todo o mundo, incluindo aviões para trajetos menores para a Lufthansa.
Um patriarca extremamente popular
Em outras palavras, o presidente Lula tem bons motivos para estar repleto de autoconfiança. O presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o presidente da França, Nicolas Sarkozy, o estão cortejando, enquanto Wall Street praticamente o venera. Ele é até mesmo tema de um novo filme, "Lula, o Filho do Brasil", que descreve a saga de sua ascensão de engraxate a presidente.
Carisma Patriarca extremamente popular, o líder brasileiro é até mesmo tema de um novo filme, "Lula, o Filho do Brasil", que descreve a saga de sua ascensão de engraxate a presidente do país
Todo o Brasil desfruta da fama de seu presidente que, a menos de sete anos no poder, atualmente conta com um índice de aprovação acima de 80%. A oposição praticamente desapareceu e o Congresso se tornou submisso. Lula dirige o país como um patriarca, tanto que seu antecessor, Fernando Henrique Cardoso, o está acusando de "autoritarismo" e alertando que o Brasil está no caminho de um capitalismo estatal.
Há um quê de verdade nas alegações de Fernando Henrique. Lula nunca teve confiança na capacidade do mercado de curar a si mesmo e considera que o Estado deve moldar uma nova ordem social. Ele adora projetos impressionantes e gestos nacionalistas. Ele é pragmático, mas despreza especuladores. "Brancos com olhos azuis" levaram o mundo à beira da ruína financeira, ele disse recentemente. Ele falava dos banqueiros.
A crise financeira apenas confirmou o ceticismo de Lula em relação ao capitalismo. Lula acredita que o Brasil lidou melhor com a crise do que outros países porque o governo adotou medidas corretivas desde cedo. Segundo Lula, o combate à pobreza e a distribuição justa de renda não podem ficar aos cuidados do mercado.
OBS: A matéria completa pode ser lida no site: www.uol.com.br/midiaglobal
Postagem: Océlio Teixeira de Souza