A Praça Francisco Sá, grande obra de Alexandre Arraes, nas décadas de quarenta e cinqüenta, era o cartão postal do Crato e a sala de visitas da cidade. A foto da praça, mostrando a coluna da hora foi motivo do selo comemorativo dos cem anos da cidade, em 17/10/1953. Um dos lados da praça dava para a Estação Ferroviária, aliás, um belíssimo prédio. O movimento de trem era diário, constituindo-se a porta de entrada e saída do Crato. Não existia outro meio de transporte além do trem. As pessoas iam para a Estação, como hoje se vai para os aeroportos, levar ou receber pessoas ou, simplesmente passear ou comprar os jornais da capital (Unitário, Correio do Ceará e O Povo). Às segundas-feiras, dia da grande e famosa feira livre, o movimento era duplicado, pois o trem trazia os feirantes pela manhã, carregados de mercadorias e, à tarde os levava de volta para as diversas cidades vizinhas.

Selo comemorativo do centenário do Crato no valor de 60 centavos. É da minha coleção, quando ainda garoto. Aparecem a Coluna da Hora e a Fonte Luminosa.
Circundando os outros lados da praça pontuavam residências de famílias que marcaram a vida social do Crato naquelas décadas. Trouxeram o progresso para a cidade, como comerciantes de escol que eram. Através de grandes investimentos, contribuíram para o desenvolvimento da cidade, tanto na construção de imóveis como colaborando junto à Prefeitura em diversas melhorias urbanas. Dentre outros citarei: Luis Martins de Araújo (meu avô); seu grande amigo e sócio Joaquim Bezerra de Farias, cujo filho, Raimundo Bezerra foi prefeito na década de 90, responsável pela recuperação da praça, que estava abandonada e decadente; José Teunas Soares grande amigo dos dois citados anteriormente, embora concorrentes no comércio; George Lucetti, de nacionalidade grega, comerciante e industrial e o maior investidor na construção civil da cidade, dono da casa mais bonita da praça; meu pai (Alexandre Sauly Mourão), que morava vizinho ao Sr. George Lucetti, aliás, na casa onde nasci; Sr. Adalgiso Paiva, comerciante de couro de animais silvestres; Sr. Francisco Bezerra, dono do Bar Social e mais conhecido como “Seu Chiquinho do Bar Social”. Lembro-me muito bem dele, de baixa estatura, num passo pequeno, atravessando a praça na diagonal, de sua casa para o bar; e do Sr. Chico Higino, comerciante de madeira. Era de cor branca, sardento e com o cabelo meio avermelhado. Por isso, muitos dos seus filhos tinham essa característica especial: o cabelo vermelho. Nós, meninos, dizíamos que eles tinham tomado banho de chuva e o cabelo tinha enferrujado...

Casa do Sr. George Lucetti, local de grande festa ao término da IIª Guerra Mundial. Parentes dele foram mortos pelos nazistas quando do ataque a Creta. À direita da casa o armazém Lucetti Exportação. À esquerda a casa onde nasci. Presumo que a foto seja de 1944. Existe uma criança nos braços de uma moça. Penso que seja eu com a minha babá Maria.

Meu pai contava que o Mestre de Obra, que a construiu, dizia: “Lucetti, esta casa devido as curvas sempre será bonita”. Tinha plena razão.




Residência do meu avô, Luís Martins de Araújo. Foto de 1948, colhida pelo meu pai. O garoto sou eu com o “chapéu de engenheiro”. À minha direita minha irmã Yara e meu irmão Raimundo. As moças são: minha tia Gerson e suas primas Guiomar e Valdívia. Ao fundo, atrás da coluna, meu tio Gervásio.
O certo é que, essas figuras notáveis costumavam, aos finais de tarde, reunir-se em um banco da praça, em frente à casa do Sr. Teunas, onde conversavam assuntos diversos, inclusive, estórias engraçadas. Todos vestiam ternos de linho e usavam chapéu de massa. O Sr. Chico Higino, dono de um humor fino, o que transferiu ao filho Zé Aragão. Estava sempre com um sorriso nos lábios. Certa vez contou o seguinte fato, que ocorrera com ele: estava na zona rural do Crato e entrou numa bodega para comer um queijo. Nesta ocasião entrou um homem do campo, com um chapéu de palha de abas largas. O chapéu media cerca de um metro de diâmetro. O Sr. Chico Higino perguntou-lhe:
- “Meu amigo, onde é que você vai montar este carrossel?”
Aquele homem simples, com cara de poucos amigos, barba por fazer, olhando-o de cima a baixo, com uma voz grossa e bem pausada, respondeu:
- “No cu da mãe...”
O Sr. Chico Higino, rindo, imediatamente retrucou:
- “Oba! Pelo menos vou rodar de graça!!!”
MATA BORRÃO
O meu avô e o Sr. Joaquim Bezerra construíram um belo prédio, que até hoje chamamos de armazém, onde funcionava o comércio de atacado deles. A inauguração foi um acontecimento na cidade. Foram enviados convites para as autoridades e para os amigos. O Sr. Chico Higino recebeu também o seu. Na costumeira reunião no banco em frente à casa do Sr. Teunas, comentou com o Sr. Adalgiso:

Prédio onde funcionou a firma do meu avô, Luís Martins com o sócio Joaquim Bezerra de Farias.
- “Mas Adalgiso eu recebi de presente desta firma que vai inaugurar amanhã um mata borrão que é uma maravilha!”
- “Mata borrão? Chico Higino isto não será o convite, não? Abra, que dentro tem um convite, homem!”
- “É mesmo? Eu sou muito ignorante, mesmo!!!”
MAMA MIA
Sr. George Lucetti foi um grego que muito fez pelo Crato. Foi comerciante, industrial e grande construtor. Os mosaicos da sua fábrica eram coloridos com tinta importada da Inglaterra. A Praça Siqueira Campos utilizou mosaicos doados por ele. Homem inteligente, poliglota, pessoa de conversa extremamente agradável. Grande admirador de música clássica.

Sr. George Lucetti numa foto com um grupo de rotarianos, no Crato Tênis Clube.
O Sr. George gostava muito de ficar horas conversando com o Luís, na Imobiliária Santa Marta, quando não estava lendo o jornal. Faleceu com mais de noventa anos em total lucidez. Lembro-me muito dele, pois fomos vizinhos. Nasci na casa vizinha à sua, que era a mais bonita da Praça Francisco Sá. Um dia o Luís perguntou:
- “Sr. George por que o senhor veio morar no Brasil?”.
- “Luís como você sabe. Eu sou natural da ilha de Creta, filho de mãe italiana, daí o nome Lucetti. Minha mãe tinha o nome que eu dei para milha filha: Areti. Um dia foram nos visitar umas primas italianas. Elas falavam e eu não entendia nada. Mas quando elas disseram ‘mama mia!’, fiquei apaixonado por aquela língua. Disse para mim mesmo: eu vou morar num país da América que fale uma língua parecida com esta. Inicialmente vim morar em Buenos Aires, na Argentina e depois vim para o Brasil, sempre encantado com esse idioma. Por isso estou aqui. O ‘mama mia!’ que ouvi daquelas primas italianas me fez cruzar meio mundo e estou hoje, aqui com vocês!”
Por: Ivens Mourão - Do Livro "So no Crato" - Direitos de Publicação concedidos ao Blog do Crato pelo autor. Todos os Direitos Reservados.