Nota de Abertura:
O Blog do Crato é muito veloz. Disso ninguém duvida. Um artigo postado na manhã de hoje, poderá ao fim do dia estar quase perdido no meio de tantos outros. Chega-se à conclusão que muitas vezes estamos a comer sem digerir, e ler sem refletir. E tantas coisas belas e importantes já têm sido escritas aqui ao longo de todos esses anos. Trago hoje um artigo, escrito por Jorge Emicles, que causou muito impacto na época, quando tínhamos apenas uns 2.000 acessos, e certamente merece que os nossos novos leitores possam ler, quando chegamos a 29.600 acessos mensais.
Nascido da expansão do gado, no conhecido ciclo do couro, toda a região do Cariri se firmou a partir da guerra. Primeiro inimigo enfrentado e vencido, foram os índios da valente nação Kariri, os quais opuseram firme resistência aos colonizadores jesuítas, primeiro porque se mostraram indiferentes às tentativas pacíficas de catequização e mais tarde porque ofereceram séria resistência à ocupação pela força. Tal realidade em verdade fez perecer quase que completamente os primitivos ocupantes da região, não conseguindo, contudo, aniquilar sua viril cultura. Mas o fato é que os veios de sangue definitivamente marcam as origens e tradições culturais da região.
Vencidos os bugres, ainda assim persistiu o povo caririense com o estigma da violência, tanto pelas invencíveis guerras dos coronéis quanto especialmente pelos movimentos revolucionários que se instauraram no Cariri, pelas mãos de José Martiniano de Alencar e sua irmã Bárbara, os quais culminaram com a proclamação da independência e república em 1817, prisão dos revolucionários em Fortaleza e Salvador e ressurgimento do movimento, o qual terminou com a definitiva ascensão política de seus cultores e definhamento e morte de seus inimigos. Não contudo, sem a presença do sangue, como são os casos do assassinato em batalha de José Martiniano e o fuzilamento de Pinto Madeira, fato que nas palavras do ilustre Raimundo de Oliveira Borges se constitui na única (preferimos dizer maior) injustiça praticada pelo Poder Judiciário da Comarca do Crato – que por sinal é a mais antiga de todo o interior Cearense.
Chegados os anos áureos, que vieram junto com a estrada de ferro, o Crato foi o grande comandante político e econômico da região. Centro do comércio local, o Crato e o Cariri representaram importante marco no povoamento e desenvolvimento regional, inclusive porque estão localizados no centro geográfico do nordeste brasileiro. Tal importância é por sinal, muito bem relatada pelo ilustre antropólogo carioca Darci Ribeiro em obra fundamental ao entendimento da construção da nação brasileira, cujo título é O POVO BRASILEIRO.
Sedimentada sua economia não só no comércio, como também e com igual importância no cultivo e industrialização da cana-de-açúcar, o Crato sofre enorme revés com o fenômeno social do Padre Cícero. Primeiro porque suas lideranças não tiveram a real percepção da ilustre figura do patriarca de Juazeiro, o qual viam como um conspirador contra os interesses oligárquicos locais e depois porque levaram sua resistência aos extremos, inclusive incitando a guerra, como foi o caso da invasão do Crato pelos romeiros em 1914, fato que até o presente deixa severas marcas na cultura e no imaginário popular local, o que somente repele a consciência da necessidade de ações conjuntas em toda a região. A violência, contudo, não se resume somente a isto, sendo igualmente marcante a destruição do povoado do Caldeirão do Beato José Lourenço, que como um dos mais importantes herdeiros do Padre Cícero, representa o mais evidente símbolo dos perigos que as idéias de associativismo representava para a oligarquia canavieira local.
Mesmo ante o ocaso, e apesar da renitente falta de visão e compromisso dos seus líderes, o Crato ainda consegue sobreviver e se manter como marco regional. Apoiado agora nas suas raízes culturais e tradição educacional, firmadas a primeira pela ação indelével das tradições folclóricas resistidas e que se apóiam em todos os importantes eventos históricos, mesclando a ação dos diversos povos que firmaram suas origens e a segunda na ação positiva da igreja católica romana, que de há muito plantou as sementes do conhecimento, seja através do Seminário São José, do Colégio Diocesano e mesmo da antiga Faculdade de Filosofia que é o marco fundador da própria Universidade Regional do Cariri. São todas estas tradições e valores que transmudaram o Crato na conhecida Capital da Cultura, título reconhecido pelo próprio Governo Estadual na administração de Lúcio Alcântara.
Contudo, mesmo ainda gozando de relativa importância, é forçoso reconhecer que o Crato vive processo de decadência, o qual precisa ser estancado, para o que é imprescindível reconhecer que nem a cidade nem os tempos são mais os mesmos. Viver do saudosismo do passado e se impor a importância que não mais se tem são na verdade mecanismos que somente auxiliam o próprio declínio. Assim, para voltar a crescer é preciso, verificando as novas realidades do mundo moderno, reconhecer quais seriam as vigentes e próprias vocações do Crato. Não adianta tentar competir na força do comércio e da crescente metrópole, porque inquestionavelmente este espaço já foi tomado pela vizinha Juazeiro do Norte; Não vale pretender retomar espaço de pioneiro na industrialização também. As verdadeiras vocações do Crato, à toda prova, definitivamente estão na valorização da cultura local e meio ambiente privilegiado, através de diversas formas da exploração da chamada indústria sem chaminés que é o turismo. Assim, é de se criar estruturas melhores visando a exploração deste turismo, o qual representará sem dúvidas o caminho a ser percorrido para a recuperação da importância local, seja no estímulo à criação de novos cursos acadêmicos, tanto valorizando a própria URCA quanto estimulando a vinda de novas Universidades, a exemplo do Campus Avançado da Universidade Federal do Ceará, que teimam os políticos de Juazeiro em levar para aquelas terras, o que atrairá um maior número de estudantes e intelectuais os quais incentivarão sobremaneira a economia local, da mesma forma que se prescinde da criação de espaços capazes de valorizar o folclore local, fato que permitirá a visita de maior número de turistas os quais também necessitarão da estrutura de organizações ligadas ao turismo ecológico, explorando as belezas da Floresta Nacional do Araripe com suas trilhas e mirantes; tudo isso passando imprescindivelmente pelo fortalecimento da rede hoteleira.
Um administrador de visão, que conscientemente pretenda soerguer novamente o Crato aos patamares de importância que já teve, terá de percorrer estes caminhos, sendo puramente demagógico qualquer outro discurso que se baseie na importância perdida e nos valores que já não mais se tem, como ocorre com a grande maioria dos políticos, isto porque o trem da história já partiu, deixando-os presos a um passado que não volta mais. Neste sentido, não se pode negar a participação positiva da atual administração municipal, que a partir da recuperação de prédios históricos locais, como a REFFESA e o Cine Teatro Moderno, não se prendeu simplesmente ao saudosismo, com o equivocado discurso de que o Crato voltaria à importância pretérita, mas ao contrário, dotou a cidade de valiosos equipamentos através dos quais a cultura local poderá se exprimir livremente, significando marcos necessários à estruturação destes novos caminhos. As metas assim, restam traçadas, cabendo ao governo local e estadual, na medida em que tenham verdadeiros compromissos com o povo cratense desenvolver as ações necessárias à sua concreção.
Crato, 24 de junho de 2007.
Por: Jorge Emicles Pinheiro Paes Barreto Professor Universitário -
RadialistaFoto: Dihelson Mendonça