
O regime de terror fez despertar na alma dos brasileiros sentimentos antagônicos e a população civil dividiu-se, rapidamente, entre subversivos, indiferentes e dedos-duros. Todos passaram a ser suspeitos de todos, mesmo com prova em contrário. Os que viveram aqueles tempos de chumbo percebem, claramente, o valor da liberdade e ,hoje, imersos na paz alcançada, já têm dificuldade de contar aos filhos os difíceis e espinhosos caminhos trilhados desde 1964.Armadilha do destino : os nossos maiores bens espirituais só mostram definitivamente seu valor quando os perdemos.
Com distanciamento , hoje, após tantos anos, é mais fácil se depreenderem algumas lições da ditadura. O culto da verdade única é uma falácia. Alguns dos nossos ilustres presos e perseguidos cratenses mostraram-se, com o tempo, grandes cidadãos brasileiros : Dr. Marcos Cunha, Valdenor Farias, Ernani Silva, Dr. Raimundo Bezerra, Luiz Cláudio (“Bola Sete”), Sílmia Sobreira, Seu Elói Teles, Dr. Welligton (Ton-Ton),Juvêncio Mariano e tantos outros. Para decepção dos nossos alcagüetes famosos, os comunistas cratenses não comiam criancinhas, apenas sonhavam com um idílico mundo onde os meninos pudessem se alimentar melhor. Depois , a censura apenas estimula a criatividade das pessoas e fica patente que é impossível exercê-la de modo efetivo. Nada de bom floresce sob a ditadura, é que partindo , logicamente, de premissas falsas , jamais ninguém se pode acercar da verdade.
Creio que foi Silvio Rodriguez que ,em uma das suas mais famosas canções, dando graças pela liberdade em que vive agradece àqueles que deram sua vida pela felicidade das outras gerações : “Los muertos de mi felicitá”. Após quatro décadas, imagino que seria importante lembrar aqueles nossos irmãos que , arriscando a vida , lutaram por um país melhor e mais justo. Abandonaram os lares, a comodidade da vida familiar, a vidinha previsível que todos nós levamos e partiram para a luta. Recordemos que hoje, quando falamos o que bem entendemos nas esquinas, quando reclamamos do governo na imprensa livremente, quando não temos a defesa cerceada, devemos muito a estes esquecidos e abnegados que sacrificaram anos de estudo, de vida profissional e tantos e tantos, a própria vida para que hoje a gente pudesse gozar de um benfazejo clima de liberdade.
Em Crato é preciso exaltar o nome de dois gigantes que honraram o nome dos nossos conterrâneos revolucionários de 1817. O primeiro, Aécio Gomes de Mattos, líder estudantil em Recife, preso nos anos 70 e que perdeu vários anos da Faculdade de Engenharia . Ainda hoje ele tem seu nome lembrado no Restaurante Universitário daquela Universidade. O outro : João Roberto Pinho, filho do Cel João de Pinho que já fora este prefeito em Crato. João Roberto integrava um dos Partidos proscritos pela pseudo-revolução e que teve pesadas baixas: o PCBR. João passou nove anos na clandestinidade, jogando para o alto toda a vida estudantil. Após a anistia fixou-se no Rio como artesão e vinha periodicamente ‘a terrinha. O destino lhe foi ingrato e já com os louros da liberdade conquistada faleceu, precocemente, ainda nos anos 80. O Crato esquece-o como fez com outros heróis verdadeiros. Em nome de toda minha geração, hoje, passados quarenta e cinco anos, agradeço a eles pelo inconformismo, pelas lições de que é preciso lutar por aquilo que se acredita e , mais, que para fazer nascer um mundo mais respirável e respeitável faz-se mister usar o fórceps.Obrigado, de coração, por terem trocado o sofrimento de vocês por nossa felicidade ! Lutaremos para ser dignos da liberdade que vocês nos ofertaram !