O sino da estação de trens em Crato badalou a última chamada. Um tranco metálico moveu-nos sobre trilhos. Lentamente abandonando, em primeiro lugar, as pessoas, em seguida o calçadão da estação, as ruelas no entorno da rua do gesso, atravessando a última via da cidade e avançando sobre o canavial em rumo de Juazeiro do Norte. Assim uma era se encerrava, uma fenda ao infinito se abria, com a irresponsabilidade da juventude, sabendo-se superado, no limite entre o medo e a excitação do perigo.
Não era poesia. Era vida e tinha a certeza que outro mundo mais temperado e justo seria possível. A vontade transformadora da consciência política seguia pelos trilhos como um panfleto revolucionário. Carregava minha bagagem de responsabilidades presumidas em face deste país pobre e desigual. Iria buscar a universidade e nela me fortalecer em vontade e conteúdo transformador. Os contemporâneos, os mais velhos e aqueles ainda crianças, poderiam ter certeza que seria um igual em força, dedicação e luta.
Já na capital e uma música estourou nos ouvidos românticos da época. O filme Dr. Jivago se beneficiava com a pré-estréia do sucesso musical de sua trilha em todas as rádios, especialmente o Tema de Lara. Enternecido pela música, a leveza de lentamente navegar no salão dos clubes com elas de par. De ouvir as vozes femininas cantarolando o tema de um modo que nem Maurice Jarre consegue com toda a potência de sua orquestra. Maurice Jarre conseguia, pois nesta segunda já é fisicamente passado.
Mas a denúncia do velho reacionário Boris Pasternak, agora transformada numa super produção de Hollywood, a mesma da era da guerra do Vietnam, do governo Nixon, atingia os sonhos da revolução. Aquilo era um discurso na contramão da juventude que logo a seguir iria sofrer os efeitos do Decreto Lei 477 e do AI5. Sem contar o enorme efeito da Invasão da Checoslováquia na primavera de Praga. Entre o tema de Lara e a necessidade de superar o atraso social, político e econômico, nossos corações aprenderam as grandes questões da insustentável natureza dos dogmas.
Aprendemos aos trancos, barrancos e por vezes lentamente, sempre tendo o humano como o horizonte último da nossa intenção política. Quando o Tema de Lara toca, os sons de um rock pauleira estão no mundo em igual permanência e datados como dizem os jornalistas. Eis que as normas se pautam por evidências de tempo, quanto mais o mundo é científico e técnico. Mais se diz que as circunstâncias em que isso ou aquilo é válido, depende de até quando outros parâmetros de conjuntura existirem, pois uma vez estes superados, já não é possível afirmar tal verdade.
Hoje na estação de Crato já não param mais trens. Nenhum trilho leva pessoas através dos sertões entre o interior profundo e arcaico e a juventude moderna da borda do litoral. O Tema de Lara só é relembrado na morte de Maurice Jarre, além de que o velho reacionário autor do livro retornou à Rússia como quase um monarquista se desfazendo em saudades do Czarismo. E também cessou de respirar.
Hoje na estação Finlândia que poderia ser a Central Station, ou a Penn Station, outro tema, que não sei qual, deve incomodar os sonhos frustrados dos Yuppes de Wall Street. E neste mundo, como o reverso daquela era na estação de Crato, novamente a consciência humana se torna para si, além e muito além dos dogmas e do entusiasmo de que se imaginava o fim da história.
Por José do Vale Pinheiro Feitosa
Não era poesia. Era vida e tinha a certeza que outro mundo mais temperado e justo seria possível. A vontade transformadora da consciência política seguia pelos trilhos como um panfleto revolucionário. Carregava minha bagagem de responsabilidades presumidas em face deste país pobre e desigual. Iria buscar a universidade e nela me fortalecer em vontade e conteúdo transformador. Os contemporâneos, os mais velhos e aqueles ainda crianças, poderiam ter certeza que seria um igual em força, dedicação e luta.
Já na capital e uma música estourou nos ouvidos românticos da época. O filme Dr. Jivago se beneficiava com a pré-estréia do sucesso musical de sua trilha em todas as rádios, especialmente o Tema de Lara. Enternecido pela música, a leveza de lentamente navegar no salão dos clubes com elas de par. De ouvir as vozes femininas cantarolando o tema de um modo que nem Maurice Jarre consegue com toda a potência de sua orquestra. Maurice Jarre conseguia, pois nesta segunda já é fisicamente passado.
Mas a denúncia do velho reacionário Boris Pasternak, agora transformada numa super produção de Hollywood, a mesma da era da guerra do Vietnam, do governo Nixon, atingia os sonhos da revolução. Aquilo era um discurso na contramão da juventude que logo a seguir iria sofrer os efeitos do Decreto Lei 477 e do AI5. Sem contar o enorme efeito da Invasão da Checoslováquia na primavera de Praga. Entre o tema de Lara e a necessidade de superar o atraso social, político e econômico, nossos corações aprenderam as grandes questões da insustentável natureza dos dogmas.
Aprendemos aos trancos, barrancos e por vezes lentamente, sempre tendo o humano como o horizonte último da nossa intenção política. Quando o Tema de Lara toca, os sons de um rock pauleira estão no mundo em igual permanência e datados como dizem os jornalistas. Eis que as normas se pautam por evidências de tempo, quanto mais o mundo é científico e técnico. Mais se diz que as circunstâncias em que isso ou aquilo é válido, depende de até quando outros parâmetros de conjuntura existirem, pois uma vez estes superados, já não é possível afirmar tal verdade.
Hoje na estação de Crato já não param mais trens. Nenhum trilho leva pessoas através dos sertões entre o interior profundo e arcaico e a juventude moderna da borda do litoral. O Tema de Lara só é relembrado na morte de Maurice Jarre, além de que o velho reacionário autor do livro retornou à Rússia como quase um monarquista se desfazendo em saudades do Czarismo. E também cessou de respirar.
Hoje na estação Finlândia que poderia ser a Central Station, ou a Penn Station, outro tema, que não sei qual, deve incomodar os sonhos frustrados dos Yuppes de Wall Street. E neste mundo, como o reverso daquela era na estação de Crato, novamente a consciência humana se torna para si, além e muito além dos dogmas e do entusiasmo de que se imaginava o fim da história.
Por José do Vale Pinheiro Feitosa