No Sítio Brejinho, Crato, o agricultor Raimundo Ambrósio também trabalha como carpinteiro. Os equipamentos usados são os mesmos de antigamente (Foto: Antônio Vicelmo). A comemoração do padroeiro do Ceará tem programação em diversos municípios hoje. Samara Phillipona é a única mulher carpinteira do Cariri. Segue a profissão do pai, o suíço Urs
. Os carpinteiros que mantém a tradição da mesma profissão do pai adotivo de Jesus provam fé no padroeiro. Crato. Hoje é dia de comemorar São José, um dos santos mais populares do Brasil. Muito embora os textos bíblicos falem pouco do pai adotivo de Jesus, sua vida se confunde com o homem comum na sua luta diária para manter a família. São José é o operário sofrido, o retirante nordestino identificado na fuga para o Egito. É o agricultor que amanhece o dia de cara pra cima, à procura de um sinal de chuva, e aposta todas as suas esperanças de inverno no Dia de São José. É o homem sedento de justiça, o pai de família que tenta educar os filhos numa sociedade consumista, ameaçada por todo tipo de violência. É a história do sem-teto que procura uma gruta de Belém para abrigar a família. Não é sem razão que São José é o patrono universal da Igreja Católica, dos pais, dos carpinteiros, dos artesãos, da justiça social, protetor da boa morte e padroeiro do Ceará. Sua trajetória de vida é a saga da maioria daqueles que aparentemente não têm história. Deixar o Egito significava abandonar um país idólatra e estranho e tornar a conviver com a gente simples e humilde de Nazaré. Significava voltar a morar na pequena e pobre casa construída de pedras calcárias, com o teto coberto apenas numa estrutura de barro amassado.
Talento revelado
De acordo com a Igreja Católica, o pai de São José, Jacó, mudou-se com a família para Nazaré da Galiléia, provavelmente para cultivar uma terra que comprou no Vale Esdrelon. José, junto com seu irmão mais velho chamado Cleófas, trabalhou na lavoura, ajudando o pai a produzir alimentos para o consumo próprio e comercialização. Com o passar dos anos, revelou uma notável tendência para o trabalho com madeira, que o levou a deixar o cultivo do solo num segundo plano e a se empenhar na profissão de carpinteiro. Com esta profissão, o pai adotivo de Jesus sustentou a família. Dois mil anos depois, a história se repete com outros personagens. No Sítio Brejinho, a 27 quilômetros do Crato, o agricultor Raimundo Ambrósio, casado pai de seis filhos, ainda vive da mesma profissão exercida por São José. Os equipamentos de trabalho são os mesmos de antigamente: enxó, sovela, banco de madeira, martelo, serrote e uma plaina. A carpintaria funciona ao lado de sua casa, numa cobertura de taipa, com piso de chão batido. Ali ele fabrica tamboretes, mesas, cadeiras e caixotes com madeira bruta retirada à corte de machado. Tudo é feito à mão. Não há nenhuma ferramenta moderna. Nem mesmo energia elétrica tem na oficina. De lá, saíram a cruz da Igreja de São Pedro do Sítio Brejinho, a bancada e também a cadeira do pároco local. “O ganho é pouco, mas com a ajuda de São José, que também foi carpinteiro, dá para a gente viver”, diz Ambrósio, complementando: “Quando sobra um tempinho, trabalho na agricultura”. Ele garante que já alcançou muitas graças com o santo carpinteiro. Uma delas é o sustento da família. “Afinal, estou fazendo o mesmo trabalho que Jesus Cristo fazia”, afirma, com orgulho.
Modernização
Durante muito tempo, o carpinteiro foi um dos profissionais mais requisitados, pois do seu trabalho dependiam vários ofícios. Os móveis da casa, os carros de bois ou puxados a cavalos, as ferramentas agrícolas de madeira etc. Esse ofício sobreviveu ao progresso, mas o carpinteiro teve de se adaptar aos novos tempos. As oficinas foram modernizadas. Em algumas delas, o projeto de um móvel é feito no computador. A madeira bruta foi substituída por placas de aglomerado. O envernizamento é feito à pistola. Uma parafernália de máquinas facilita o acabamento. Mas nada substitui o talento, a criatividade e a arte do carpinteiro. Mesmo nos dias atuais, tanto é carpinteiro o que ainda trabalha manualmente, transformando troncos de árvores em móveis, como quem se senta em frente do computador, marca as dimensões da peça de madeira que pretende, e o computador comanda as máquinas que lhe preparam a peça desejada com precisão. É o caso do suíço Urs Philipona, que veio para o Brasil, com o diploma de carpinteiro, com o objetivo de montar uma oficina de carpintaria para jovens carentes no Recife. Terminou se apaixonando por uma jovem cratense com quem casou. Hoje, dirige uma das mais bem montadas oficinas do Cariri, onde são fabricados móveis de primeira qualidade, com equipamentos, em sua maioria, importados da Europa. “Mesmo na Suíça, São José é cultuado como padroeiro dos carpinteiros e marceneiros”, destaca Philipona. Segundo faz questão de destacar, hoje, Dia de São José , a oficina é fechada para que os seus operários possam participar da procissão de encerramento da Festa do Padroeiro no bairro do Seminário.
MÓVEIS PROJETADOS
Profissão se moderniza no Cariri
Crato. Jovem, bonita, formada em Educação Física, Samara Philliona, filha do suíço Urs, é talvez a única mulher do Cariri a exercer a profissão de carpinteira. Além de projetar móveis no computador, ela divide com o pai a administração da oficina e a fabricação de móveis. “Ela amanhece o dia mexendo nas máquinas”, diz o pai, acrescentando que está preparando a filha para dar continuidade ao trabalho. Para Samara, que já morou na casa de seus avós, na Suíça, trabalhar num ambiente predominantemente masculino não lhe causa nenhum constrangimento. “Aqui, eles me respeitam e até me ajudam. Quando eu tento transportar uma peça mais pesada, eles vêm em meu socorro”, afirma. No entanto, fora do ambiente de trabalho, quando ela diz que é carpinteira, muita gente estranha. Devota de São José, Samara desmonta os preconceitos com este argumento: “É a mesma profissão de São José e do seu filho, Jesus Cristo. Estamos dando continuidade a um trabalho sagrado”, complementa. Samara lembra que, quando estava na Suíça, trabalhou numa carpintaria com mais três mulheres, uma delas com menos de 22 anos, um ano mais nova do que ela. Neste dia 19, seguindo uma tradição, Samara, de braços dados com a namorada, acompanhará a procissão de São José. O artesão especialista em obras sacras Francisco Fábio Amorim, conhecido por “Ligeirinho”, tem uma devoção especial a São José. “Além de patrono da minha profissão, ele é meu protetor”. Na semana passada, Ligeirinho recebeu a visita do vigário da cidade de Missão, padre Joaquim Ivo Alves, que lhe fez a encomenda de um ambão, tablado pequeno, comum nas primitivas igrejas cristãs, utilizado para prédicas, cantos litúrgicos, entre outras funções, e que, no século XIV, foi substituído pelo púlpito. Da oficina de Ligeirinho, localizada na Rua Ratisbona, em frente ao Restaurante Popular, já saíram altares, sacrários, cadeiras, candelabros e confessionários que ornamentam as igrejas da região do Cariri. “Tudo isso, com a ajuda de São José”, acredita o artesão.
Poderoso cristianismo
O teólogo Leonardo Boff, que pesquisou sobre São José nas melhores bibliotecas do mundo para escrever o livro “São José: Patrono dos Anônimos”, afirmou que “existe um poderoso cristianismo popular, cotidiano e anônimo do qual ninguém toma nota. Nele vive a grande maioria dos cristãos, nossos pais, avós e parentes que tomam a sério o Evangelho e o seguimento de Jesus. São José, por seu anonimato e silêncio, se insere ai dentro”. Leonardo Boff acrescenta que: “Mais que patrono da Igreja universal, é o patrono da Igreja doméstica, dos irmãos e irmãs menores de Jesus. Ele é um representante da “gente boa e humilde”, sepultados em seu dia-a-dia cinzento, ganhando a vida com muito trabalho e levando honradamente suas famílias pelos caminhos da honestidade”.
ENQUETE
Como o Sr. vive a devoção ao santo hoje?
José Luiz Neto
Carpinteiro
"Eu sou devoto do Padre Cícero e de São José. Ambos me ajudam. Não é sem motivo que meu nome é José"
Lázaro Torres Agripino
Carpinteiro
"São José é o maior exemplo de nossa arte, do nosso trabalho na carpintaria. Sou devoto dele desde menino"
José Rodrigues da Costa
Carpinteiro
"Aprendi com meu pai, que era carpinteiro, tanto a devoção a São José como a arte de trabalhar com madeira"
Urs Philipona
Carpinteiro
"Assim como no Ceará, também na Suíça São José é cultuado como padroeiro dos carpinteiros e marceneiros"
ANTÔNIO VICELMO
Repórter
Fonte: Jornal Diário do Nordeste