PRIMEIROS CAFÉS E HOTÉIS NO CRATO.
Um dos primeiros hotéis, no Crato, sinão o primeiro, foi o de Dona Luzia, à rua do fogo, hoje Senador Pompeu, aí pelos anos de 1890. Antes tomavam os que vinham à cidade casas particulares, não raro dias e dias seguidos. Famílias abastadas tinham, sempre, redes e lençóis sobressalentes e, também, quartos destinados, exclusivamente, a hospedes. Eram fregueses do hotelzinho, de piso de tijolo de barro e telha vã, pessoas dos sítios visinhos, de localidades do Cariri e sertão fronteiriço pernambucano, alguns viajantes de casas comerciais de Recife e Fortaleza etc.
Dirigia a cozinha e servia as refeições, muito amável, a hoteleira, reunidos os hospedes, à hora certa em torno de uma mesa grande de cedro, na sala de dentro, como chamavam, bem no meio desta. Era Dona Luzia casada com Lucas Jose de Sousa, bom marceneiro, muito conhecido por mestre Lucas, homem de fala macia, delicado, galanteador com as mulheres, chistoso, uma espécie de Mark Tawain matuto, cujas anedotas correm, inda hoje, vários anos depois de sua morte, todo o sul cearense. Citem-se duas entre outras: estava ele, uma bela manha, a porta do Mercado de Frutas, a rua do Comercio, a conversar com um desses lindos tipos de mestiças que, às vezes, se vêem entre nós. Passou alguém que o cumprimentou: Como vai, mestre Lucas? Que está fazendo aí? Por ora nada, respondeu, prontamente, o interpelado, com o ar mais inocente deste mundo. Outra feita conversavam em sua oficina sobre a arte de carpintaria em Crato. Em dado momento, disse mestre Lucas, levemente risonho: Garantem as Escrituras que só entra no céu quem faz boas obras na terra. Tenho a certeza de que eu e meus filhos nos salvaremos por que, todos os dias, fazemos obras boas. Mas, penso sempre comigo mesmo, que será de Zé Pavão no outro mundo! Era Pavão excelente homem, mas péssimo carpinteiro.
Um dos mais antigos cafés, no Crato, talvez o primitivo, foi o de Mané Pança, nos fundos da botica do Cel Joaquim Secundo Chaves, à rua Grande, antiga do Comercio, agora Dr. João Pessoa. Entrava-se por um corredor, no qual a esquerda rasgava uma porta que dizia para Botica, com suas prateleiras de cedro cheias de poucos preparados e de muitos frascos de sais para manipulação, num balcãozinho e balança de pesar drogas e ao lado dois vasos de água belamente colorida de azul e encarnado, admirados, pelos meninos que os olhavam, com inveja, das portas do corredor e da rua, ou então da calçada de grandes Lages calcareas tiradas do sopé da chapada do Araripe. Vendia Mané Pança, em chicaras e tijelinhas, cada qual a razão de um dobrão de cobre, dois vinténs, café de leite, e ainda como isca, pão de milho. No Cariri, de primeiro, dava-se o nome de isca a qualquer porção de queijo, pão, bolo, etc, que se comesse com chá verde da Índia ou café, as sobremesas, merendas e ceias. Destinava-se aos doentes o chá preto lembre-se aqui, entre parêntese.
Baixo, de estomago saliente e empinado e daí seu apelido, vestia Mané Pança, calça de brim de cor, a caírem por cima destas as fraldas de sua camisa de mandapolão, de peito duro, os pés metidos em chinelos de couro de bode sem meias. Vivia do que lhe rendia o café, de lavar garrafas e frascos da Botica do velho Secundo de grata memória.
Outro café, quase da mesma idade do a que acabo de referir-me, foi o de siá Puça, num quarto a travessa da Califórnia. Servia de mesa o balcão, coberto de uma toalha branca, com chicaras. Em cacos de barro torravam-se grãos de café misturados com rapadura, para maior rendimento, mexiam-nos cuidadosamente, pilavam-nos em pilão de madeira até reduzi-los a pó, deitavam este em marmitas com água, ferviam a mistura com rapadura, por economia, para adoçar a infusão. Denominavam e denominam ainda, café donzelo o que é torrado, pilado, fervido e servido imediatamente. Cobrava siá Puça por uma chicara um vintém de cobre ou bronze. A par das chicaras, no balcão, viam-se em pratos alvissimas tapiocas de goma de mandioca, pão doce e aguado.
A. Morais.