A ponderação de interesses e o paciente Testemunha de Jeová
Ultimamente fui sabedor da aflição e desconforto emocional de vários médicos da região do cariri, em decorrência de terem que atender Testemunhas de Jeová com necessidade premente de transfusão de sangue, com recusa de seus pacientes seguidores da “Sociedade Torre de Vigia”, Sob a falsa alegação de que é para fazer a vontade de Jeová. Uma má interpretação bíblica gerou essa aberração dogmática.
No nosso entender a técnica de ponderação de interesses irá colocar pesos a princípios conflitantes decidindo quais deverão prevalecer. No caso dos pacientes Testemunha de Jeová que se recusam a receber sangue, se observará o direito a vida e a liberdade de religião.
Além da própria essência da relevância do direito à vida, existem muitas discussões éticas, sociais, biológicas e jurídicas acerca da violação a este direito, ao tempo em que existem muitas situações de difícil solução que envolve a vida.
Um dos grandes conflitos atuais quanto ao direito em questão seria a transfusão de sangue para o paciente Testemunha de Jeová. A Constituição Federal garante a liberdade de religião como um direito fundamental, bem como assegura o direito à vida. Daí haverá um típico conflito entre interesses, entre princípios fundamentais, devendo, assim, ser aplicada a técnica de ponderação para solução desse difícil caso.
Verificada a existência do conflito, é preciso analisar os blocos de normas que estão em lados opostos. Antes de tomar qualquer decisão, é preciso fazer o balanceamento dos valores colocados em cada lado.
Sendo assim, de um lado da balança haverá o direito a liberdade religiosa, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana assegurando aos pacientes testemunhas de Jeová o direito a não fazer a transfusão de sangue.
No outro “prato da balança”, encontra-se o direito à vida, prevista no art. 5° caput da Constituição Federal, bem como o dever do médico de cumprir os deveres, cuja orientação se encontra prevista na Resolução n° 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina. Assim, deve o médico transfundir o paciente mesmo ele não permitindo, sendo testemunha de Jeová ou não, desde que haja perigo de vida.
Sendo assim, esta corrente parece ser mais coerente, porque seria inadmissível que a vida humana fosse preterida independente do fundamento, da liberdade perseguida, seja de expressão, de religião, de pensamento, de culto ou outra qualquer. Porque se assim não fosse, estaria justificada qualquer situação afim como a eutanásia e o suicídio. Ademais, não devemos olvidar que os humanos são seres mutáveis, bem como suas crenças.
Registre-se, como argumento lógico, que a própria etimologia da expressão “direito à vida digna” pressupõe uma inicial existência de vida, para a posterior obtenção da sua dignidade, sendo esta uma qualidade da vida. Resumindo, poderá haver vida sem dignidade, mas nunca dignidade sem vida.
Outrossim, registramos que não ignoramos a possibilidade de se utilizar outros mecanismos para que não seja preciso a transfusão. O grande problema é que os hospitais não estão devidamente equipados e os planos de saúde, assim como o SUS, não cobrem os aludidos procedimentos.
“No site consultor jurídico deparei com a seguinte matéria: “Pai e filha são presos ao impedir transfusão de sangue”. A ordem partiu da juíza Jaqueline Teixeira, do Rio de Janeiro, após Manoel Barbosa e sua filha Marlene Barbosa terem impedido a transfusão de sangue para salvar dona Irani Barbosa, esposa de Manoel e mãe de Marlene. Pai e filha são adeptos da seita Testemunhas de Jeová. Com certeza a juíza, depois desse fato, passou a ser vista pelos seguidores da seita como possuída pelo diabo. Muitas vidas já foram sacrificadas em nome de uma fé cega que abomina a razão e conduz ao fanatismo. Qual a diferença entre matar e simplesmente deixar morrer?”
Aliás, o Poder Judiciário já teve oportunidade de se manifestar quanto ao tema por várias vezes, verbi gratia: O Desembargador Osvaldo Stefanello advertiu determina vez que: "Não aceito que, por convicção de qualquer espécie, se induza à morte ou se permita que alguém morra." (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sexta Câmara Cível. Apelação Cível n. 595.000.373. Relator: Osvaldo Stefanello. 28 de março de 1995. Revista Jurídica, Internet: http://www.jol.com.br).
No mesmo diapasão o Conselho Federal de Medicina – CFM expressou na Resolução nº 1.021/80. Verbis:
Adotar os fundamentos do anexo PARECER, como interpretação autêntica dos dispositivos deontológicos referentes a recusa em permitir a transfusão de sangue, em casos de iminente perigo de vida.
O problema criado, para o médico, pela recusa dos adeptos da Testemunha de Jeová em permitir a transfusão sangüínea, deverá ser encarada sob duas circunstâncias:
2 - O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão de sangue é a terapêutica indispensável para salvá-lo.Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar da oposição do paciente ou de seus responsáveis em permiti-la.O médico deverá sempre orientar sua conduta profissional pelas determinações de seu Código.
No caso o Código de Ética Médica assim prescreve:"Artigo 1º - A medicina é uma profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem preocupações de ordem religiosa..." "Artigo 30 - O alvo de toda a atenção do médico é o doente, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e melhor de sua capacidade profissional".
"Artigo 19 - O médico, salvo o caso de "iminente perigo de vida", não praticará intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento tácito ou explícito do paciente e, tratando-se de menor incapaz, de seu representante legal".
Por outro lado, ao praticar a transfusão de sangue, na circunstância em causa, não estará o médico violando o direito do paciente.Realmente, a Constituição Federal determina em seu artigo 153, Parágrafo 2º que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei".
Aquele que violar esse direito cairá nas sanções do Código Penal quando este trata dos crimes contra a liberdade pessoal e em seu artigo 146 preconiza:
"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda".Contudo, o próprio Código Penal no parágrafo 3º desse mesmo artigo 146, declara:
"Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida".
A recusa do paciente em receber a transfusão sangüínea, salvadora de sua vida, poderia, ainda, ser encarada como suicídio. Nesse caso, o médico, ao aplicar a transfusão, não estaria violando a liberdade pessoal, pois o mesmo parágrafo 3º do artigo 146, agora no inciso II, dispõe que não se compreende, também, nas determinações deste artigo: "a coação exercida para impedir o suicídio".
Em arremate final entendemos que Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: 1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.
Francisco Leopoldo Martins Filho
Pós Graduado em Direito Penal
Especialista em Danos Morais
E-mail: leopoldo.advogado@ig.com.br
Ultimamente fui sabedor da aflição e desconforto emocional de vários médicos da região do cariri, em decorrência de terem que atender Testemunhas de Jeová com necessidade premente de transfusão de sangue, com recusa de seus pacientes seguidores da “Sociedade Torre de Vigia”, Sob a falsa alegação de que é para fazer a vontade de Jeová. Uma má interpretação bíblica gerou essa aberração dogmática.
No nosso entender a técnica de ponderação de interesses irá colocar pesos a princípios conflitantes decidindo quais deverão prevalecer. No caso dos pacientes Testemunha de Jeová que se recusam a receber sangue, se observará o direito a vida e a liberdade de religião.
Além da própria essência da relevância do direito à vida, existem muitas discussões éticas, sociais, biológicas e jurídicas acerca da violação a este direito, ao tempo em que existem muitas situações de difícil solução que envolve a vida.
Um dos grandes conflitos atuais quanto ao direito em questão seria a transfusão de sangue para o paciente Testemunha de Jeová. A Constituição Federal garante a liberdade de religião como um direito fundamental, bem como assegura o direito à vida. Daí haverá um típico conflito entre interesses, entre princípios fundamentais, devendo, assim, ser aplicada a técnica de ponderação para solução desse difícil caso.
Verificada a existência do conflito, é preciso analisar os blocos de normas que estão em lados opostos. Antes de tomar qualquer decisão, é preciso fazer o balanceamento dos valores colocados em cada lado.
Sendo assim, de um lado da balança haverá o direito a liberdade religiosa, bem como o princípio da dignidade da pessoa humana assegurando aos pacientes testemunhas de Jeová o direito a não fazer a transfusão de sangue.
No outro “prato da balança”, encontra-se o direito à vida, prevista no art. 5° caput da Constituição Federal, bem como o dever do médico de cumprir os deveres, cuja orientação se encontra prevista na Resolução n° 1.021/80 do Conselho Federal de Medicina. Assim, deve o médico transfundir o paciente mesmo ele não permitindo, sendo testemunha de Jeová ou não, desde que haja perigo de vida.
Sendo assim, esta corrente parece ser mais coerente, porque seria inadmissível que a vida humana fosse preterida independente do fundamento, da liberdade perseguida, seja de expressão, de religião, de pensamento, de culto ou outra qualquer. Porque se assim não fosse, estaria justificada qualquer situação afim como a eutanásia e o suicídio. Ademais, não devemos olvidar que os humanos são seres mutáveis, bem como suas crenças.
Registre-se, como argumento lógico, que a própria etimologia da expressão “direito à vida digna” pressupõe uma inicial existência de vida, para a posterior obtenção da sua dignidade, sendo esta uma qualidade da vida. Resumindo, poderá haver vida sem dignidade, mas nunca dignidade sem vida.
Outrossim, registramos que não ignoramos a possibilidade de se utilizar outros mecanismos para que não seja preciso a transfusão. O grande problema é que os hospitais não estão devidamente equipados e os planos de saúde, assim como o SUS, não cobrem os aludidos procedimentos.
“No site consultor jurídico deparei com a seguinte matéria: “Pai e filha são presos ao impedir transfusão de sangue”. A ordem partiu da juíza Jaqueline Teixeira, do Rio de Janeiro, após Manoel Barbosa e sua filha Marlene Barbosa terem impedido a transfusão de sangue para salvar dona Irani Barbosa, esposa de Manoel e mãe de Marlene. Pai e filha são adeptos da seita Testemunhas de Jeová. Com certeza a juíza, depois desse fato, passou a ser vista pelos seguidores da seita como possuída pelo diabo. Muitas vidas já foram sacrificadas em nome de uma fé cega que abomina a razão e conduz ao fanatismo. Qual a diferença entre matar e simplesmente deixar morrer?”
Aliás, o Poder Judiciário já teve oportunidade de se manifestar quanto ao tema por várias vezes, verbi gratia: O Desembargador Osvaldo Stefanello advertiu determina vez que: "Não aceito que, por convicção de qualquer espécie, se induza à morte ou se permita que alguém morra." (BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Sexta Câmara Cível. Apelação Cível n. 595.000.373. Relator: Osvaldo Stefanello. 28 de março de 1995. Revista Jurídica, Internet: http://www.jol.com.br).
No mesmo diapasão o Conselho Federal de Medicina – CFM expressou na Resolução nº 1.021/80. Verbis:
Adotar os fundamentos do anexo PARECER, como interpretação autêntica dos dispositivos deontológicos referentes a recusa em permitir a transfusão de sangue, em casos de iminente perigo de vida.
O problema criado, para o médico, pela recusa dos adeptos da Testemunha de Jeová em permitir a transfusão sangüínea, deverá ser encarada sob duas circunstâncias:
2 - O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão de sangue é a terapêutica indispensável para salvá-lo.Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar da oposição do paciente ou de seus responsáveis em permiti-la.O médico deverá sempre orientar sua conduta profissional pelas determinações de seu Código.
No caso o Código de Ética Médica assim prescreve:"Artigo 1º - A medicina é uma profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem preocupações de ordem religiosa..." "Artigo 30 - O alvo de toda a atenção do médico é o doente, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zelo e melhor de sua capacidade profissional".
"Artigo 19 - O médico, salvo o caso de "iminente perigo de vida", não praticará intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento tácito ou explícito do paciente e, tratando-se de menor incapaz, de seu representante legal".
Por outro lado, ao praticar a transfusão de sangue, na circunstância em causa, não estará o médico violando o direito do paciente.Realmente, a Constituição Federal determina em seu artigo 153, Parágrafo 2º que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei".
Aquele que violar esse direito cairá nas sanções do Código Penal quando este trata dos crimes contra a liberdade pessoal e em seu artigo 146 preconiza:
"Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda".Contudo, o próprio Código Penal no parágrafo 3º desse mesmo artigo 146, declara:
"Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida".
A recusa do paciente em receber a transfusão sangüínea, salvadora de sua vida, poderia, ainda, ser encarada como suicídio. Nesse caso, o médico, ao aplicar a transfusão, não estaria violando a liberdade pessoal, pois o mesmo parágrafo 3º do artigo 146, agora no inciso II, dispõe que não se compreende, também, nas determinações deste artigo: "a coação exercida para impedir o suicídio".
Em arremate final entendemos que Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: 1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.
Francisco Leopoldo Martins Filho
Pós Graduado em Direito Penal
Especialista em Danos Morais
E-mail: leopoldo.advogado@ig.com.br