Carlos Rafael Dias
Historiador e sócio acadêmico do Instituto
Cultural do Cariri
Reveste-se de simbólica importância
a iniciativa do Memorial da Imagem e do Som do Cariri, através do seu diretor
Jackson de Oliveira Bantim, de prestar um oportuno tributo a dois ícones da
cultura caririense, o poeta Geraldo Urano e o artista plástico Sérvulo Esmeraldo.
Para tanto, entregará ao público amanhã, dia 14, duas instalações: a Ladeira Cultural Geraldo Urano e o Portal
dos Sonhos Sérvulo Esmeraldo, utilizando e dinamizando o espaço de uma
instituição que geralmente é vista como um empedernido sustentáculo da
tradição caririense, o Instituto Cultural do Cariri - ICC.
No entanto, na virada das décadas de 1960 e 1970, os discursos
produzidos pela geração de intelectuais fundadora do ICC vão ser recepcionados
por uma nova geração, também fortemente influenciada por um movimento global, de
caráter contracultural, motivador de contestação e transformação de estruturas
que se julgavam arcaicas ou anacrônicas. Como consequência deste processo,
observa-se a emergência de um benéfico e produtivo conflito
de gerações que se revestiu em um embate entre os valores da tradição e da
modernidade, visto que se deve entender esse processo como um campo de
lutas, onde há espaço não só para a resistência, mas também para agenciamentos.
Nesse contexto, destaca-se a produção literária e o protagonismo do poeta
Geraldo Urano, marcados pelo experimentalismo, irreverência, contestação e
engajamento sociopolítico, com fortes características de universalidade, mas
sem perder o sentimento regionalista.
Antes, porém, o ICC já tinha
reconhecido o valor de um vanguardista gravurista caririense, que no início da
década de 1960 tinha sido um dos destaques da Segunda Bienal de Paris,
merecendo uma nota na prestigiada revista Itaytera,
com o pomposo título “artista cratense Sérvulo Esmeraldo brilha em Paris”. Itaytera
continuaria, no decorrer de suas edições seguintes, registrando os feitos de
Sérvulo Esmeraldo, como ocorreu na edição 27, de 1983, quando reproduziu matérias
veiculadas na imprensa nacional acerca desse conceituado artista plástico que,
na época, já era também reconhecido como escultor e autor de “uma obra rigorosamente
construtiva, em que a força da estrutura geométrica e a concepção inteligente
predominam sobre a expressão de emoções”. Coincidentemente, nessa mesma edição de Itaytera, o ICC abriu um generoso espaço para a produção dos jovens poetas
cratenses, dentre eles Geraldo Urano, que traz em um dos poemas um verso
emblemático: “rapadura é dura e doce / a verdade é assim”.
Além
deste sincrônico entrelaçado de referências entre o ICC e os dois artistas
homenageados, deve ser enfatizado o novo momento vivido pela velha instituição
(completará em outubro próximo 65 anos de existência). Nele, sobressai-se uma
força-tarefa liderada pela sua atual diretoria, tendo a frente um jovem dinâmico
e repleto de boa vontade, o historiador Heitor Feitosa, que tem literalmente
escancarado as portas da casa para receber e hospedar os velhos e os neófitos
sócios (o mais recente é o cantor e compositor Tiago Araripe), em uma frenética
programação que já é literalmente cotidiana.
Com toda essa hospitalidade, o
Memorial da Imagem e do Som, que ocupa um generoso e privilegiado espaço do
ICC, sente-se cada vez mais à vontade para continuar promovendo inovações que
venham injetar o pretendido sangue novo que a instituição tanto carece e que
sua diretoria tanto almeja.