Já a terceira e última permanência de Dom Luís em Crato durou sete
meses, e não seis meses como sempre escreveram os historiadores. Com
efeito, ele aqui chegou no último dia do ano, ou seja, 31 de dezembro de
1874, e só retornou a Fortaleza nos primeiros dias de agosto de 1875.
Veio para acompanhar a construção do Seminário São José, epopeia da qual
falaremos adiante.
Um homem corajoso e dotado de fé
Dom Luís veio ao mundo, no dia 17 de março de 1817, em Angra dos Reis, cidade localizada em meio à Mata Atlântica, na região conhecida como Costa Verde, a 155 quilômetros da cidade do Rio de Janeiro. Angra dos Reis é um lugar de rara beleza, cercada pelo verde das matas e pelo azul das águas do oceano. Em seu entorno existem 365 pequenas ilhas. Consta que, quando os portugueses descobriram o Brasil, chegaram a uma angra (ou seja, uma enseada aberta no litoral com costas altas) no dia 6 de janeiro de 1502, dia dos Santos Reis. Eis aí a razão do nome desta cidade fluminense
O menino Luís Antônio dos Santos desfrutou, na sua infância, daquele cenário tropical de Angra dos Reis. E, quando adolescente e adulto, sempre viveu em lugares onde predominava o verde e um clima ameno. Deve ter estranhado muito, quando, já na posição de primeiro bispo do Ceará, defrontou-se com a vegetação da caatinga do sertão cearense. Um tipo de mata pouco densa, composta por árvores de pequeno porte que se desfolham completamente, nos meses da estiagem. A caatinga é marcada pela irregularidade de chuvas, pela forte insolação, baixa nebulosidade e altas temperaturas. Bem diferente da natureza abençoada de Angra dos Reis.
Ainda adolescente, Luís Antônio estudou com o Padre Antônio Viçoso, no Colégio de Jacuecanga, na sua cidade natal. Naquela época, já sentia inclinação para o sacerdócio. Teve a sorte de ser acompanhado pelo virtuoso Padre Viçoso, um santo homem, e conviver, por longos anos com ele, que depois seria nomeado bispo da diocese de Mariana (MG). Dom Antônio Viçoso caminha para ser declarado santo da Igreja Católica, já que seu processo de beatificação está em análise no Vaticano. Já foi declarado Servo de Deus, um estágio da longa etapa antes de ser declarado Beato. Graças à atuação e orientação de Dom Viçoso, a Igreja Católica no Brasil ganhou ótimos sacerdotes e missionários. Um deles já foi beatificado. Trata-se do Beato Padre Francisco de Paula Vítor, nascido em Minas Gerais, o primeiro escravo negro a atingir o sacerdócio no Brasil. Outros três alunos de Dom Viçoso foram eleitos bispos e morreram com fama de santidade. São eles: Dom João Antônio dos Santos, bispo de Diamantina (MG); Dom Pedro Maria de Lacerda, bispo do Rio de Janeiro, e Dom Luiz Antônio dos Santos, primeiro bispo do Ceará.
Dom Luís gostava da cidade de Crato
Antes mesmo de visitar Crato, pela primeira vez, Dom Luís Antônio dos Santos já havia feito um ato concreto em defesa da saúde dos seus diocesanos residentes nesta cidade. Em maio de 1862, ocorreram em Crato os primeiros casos de cólera-morbo, que viria a provocar a morte de cerca de 1.100 cratenses. O historiador Irineu Pinheiro fez o seguinte registro no seu livro Efemérides do Cariri, à página 148: “1862, 17 de Junho – Fundado em Crato, na estrada entre esta cidade e Juazeiro, por ordem de Dom Luiz Antônio dos Santos, primeiro bispo do Ceará, o cemitério dos coléricos, o qual mediu vinte braças de largura e quarenta e três de profundidade. Foi benzida em frente dele pelo padre João Marrocos Teles uma cruz de madeira, mandada erguer pelo pároco do Crato, Manoel Joaquim Aires do Nascimento. Morreram da epidemia o padre Marrocos e Joaquim Romão Batista, pai do Padre Cícero Romão Batista”.
Homem culto e, ao seu tempo, bem informado, Dom Luís sabia que o Cemitério Bom Jesus dos Pecadores (hoje denominado de Nossa Senhora da Piedade) de Crato não era o local certo para sepultar as vítimas de cólera-morbo, pois isso poderia contribuir para alastrar o contágio da moléstia. Para tanto, em 1862, determinou a improvisação de novo cemitério, distante, dois quilômetros do centro de Crato, no local onde hoje fica a subestação de energia da COELCE, no bairro São Miguel.
A grande obra de Dom Luís em Crato: o Seminário São José
O Seminário São José de Crato foi fruto de um desejo de Dom Luís, com o objetivo de ampliar a divulgação da Boa Nova de Cristo e salvar almas, no território da sua vasta diocese, a qual, à época, compreendia todo o Estado do Ceará. Para concretizar esse anelo, e depois de ter recebido sugestão nesse sentido, em 1871, do recém-ordenado Padre Cícero Romão Batista, Dom Luís encaminhou – em 1872 – dois padres lazaristas, – padres Guilherme Van den Sandt (alemão) e José Joaquim de Sena Freitas (português nascido no arquipélago dos Açores) – para realizarem uma missão religiosa, em terras do Cariri cearense. Os dois missionários lazaristas ficaram encantados com o progresso da cidade e com o entusiasmo com que a população acolheu as missões.
Os dois padres receberam orientação para angariar doações visando à construção de um Seminário Diocesano, na cidade de Crato. Depois disso Dom Luís Antônio enviou para Crato o padre italiano Lourenço Vicente Enrile, para acompanhar a construção do vasto prédio, que seria erguido em grande terreno doado pelo coronel Antônio Luís Alves Pequeno, no aprazível subúrbio, à época conhecido como Grangeiro, hoje denominado bairro do Seminário. Logo faltaram os recursos para dar continuidade à construção. Então Dom Luís Antônio resolveu deslocar-se de Fortaleza para Crato, ficando ele próprio à frente dos trabalhos. Aqui chegou no dia 31 de dezembro de 1874.
Durante sua estada em Crato, foi-lhe preparada uma residência episcopal pelo seu grande amigo e compadre, coronel Antônio Luís Alves Pequeno, que arcou também com as despesas de cama e mesa de Dom Luís Antônio e sua comitiva. A residência ficava num sobrado localizado na esquina da atual Rua João Pessoa com Praça Juarez Távora. Como sempre, a população de Crato acolheu com festas, respeito e muita alegria o primeiro Bispo do Ceará. Pôs-se Dom Luiz à frente da construção, mas, dada a grandiosidade da obra, o Seminário São José foi inaugurado, em 07 de março de 1875, em barracões provisórios, feitos de taipa e cobertos de palha, enquanto a construção dos blocos de alvenaria tinha prosseguimento. O povo cratense apelidou os barracões de taipa de “seminarinho”. Este funcionou com salas-de-aulas, dormitório, refeitório, cozinha e uma pequena capela até o mês julho, quando foi concluído o lado sul do atual prédio do Seminário São José.
Estava realizado o grande sonho de Dom Luís, dotar Crato do seu Seminário, que vem funcionado, com algumas interrupções nos primeiros anos, até os dias atuais. Nos início de agosto, Dom Luís Antônio retornou a Fortaleza para nunca mais voltar às terras caririenses. Em 1881, Dom Luís foi transferido para Salvador, como Arcebispo da Bahia e Primaz do Brasil, e lá permaneceu até 11 de março de 1891, data do seu falecimento. Foi sepultado na capela do Santíssimo Sacramento da Catedral de Salvador.
Uma personalidade rica e marcante
Dom Luís Antônio dos Santos, apesar de ter nascido numa família humilde, tornou-se – ao longo da sua existência – uma pessoa dotada, naturalmente, de gestos fidalgos, modos educados, lhaneza no trato com as pessoas, principalmente as mais humildes. Foi também um aristocrata, no sentido literal da palavra. No período monárquico, foi agraciado, em 16 de maio de 1888, com o título de Marquês de Monte Pascoal, honraria concedida pela Princesa Isabel, a Redentora, quando esta governava o Império do Brasil como Princesa Regente, na ausência de seu pai, o Imperador Dom Pedro II. Dom Luís era ainda cavaleiro da Imperial Ordem de Cristo e oficial da Imperial Ordem da Rosa, duas condecorações criadas na vigência do Império do Brasil.
No entanto, ele nunca usou nem ostentou esses títulos. Sequer falava neles. Nunca mudou, em momento algum, o seu modo simples e despojado de viver. Durante a terrível seca de 1877 a 1879, quando era Bispo do Ceará, presenciando milhares de pessoas atacadas pela varíola e morrendo de fome, Dom Luís Antônio deu o testemunho de amor ao próximo e protagonizou cenas de verdadeiro heroísmo. Ajudava como podia. Sem temer o contágio da doença, Dom Luís tinha por hábito percorrer os imundos tugúrios e as barracas de palha, que proliferavam nas periferias de Fortaleza, para levar uma palavra de conforto aos flagelados. Chegava, por vezes, a deitar-se nas esteiras nauseabundas dos pestosos, para ouvi-los em confissão. Diante de tão deprimente cenário, Dom Luís Antônio fez uma promessa pública: cessadas as calamidades, o Ceará seria consagrado ao Sagrado Coração de Jesus. Também seria construída, na capital do Estado, uma igreja, com a finalidade de incentivar a todos que desejassem crescer na amizade ao coração manso, humilde e misericordioso do Cristo Jesus... Dom Luiz Antônio, antes de deixar o Ceará, cumpriu ambas as promessas!
(*) Armando Lopes Rafael é historiador. Sócio do Instituto Cultural do Cariri e Membro Correspondente da Academia de Letras e Artes Mater Salvatoris, de Salvador (BA).