Com a Argentina virando Venezuela e a Venezuela virando Zimbábue, o Brasil tem em mãos – e perdeu – uma oportunidade excepcional de demonstrar ao mundo o quanto somos diferentes dessas nações inviáveis, desprovidas de justiça funcional, sistema político sadio e instituições sólidas. Era a chance de o Brasil erguer a cabeça acima da manada de países minados pelo populismo irresponsável e ser visto pela comunidade financeira internacional como referência de estabilidade, serenidade e compromisso com o desenvolvimento e o progresso social na América Latina. Mas a presidente Dilma Rousseff não percebeu o momento. Na tradicional econômica em Davos, diante de uma audiência de grandes investidores, a presidente fez um discurso redundante (“o controle da inflação e o equilíbrio das contas públicas são essenciais”; “a estabilidade da moeda é um valor central”) e insuficiente para reacender o interesse internacional pelo Brasil.
Depois de uma controversa escala em Portugal, Dilma voou
para Cuba, onde confraternizou com a gerontocracia comunista. Uma
reportagem desta edição de VEJA mostra como a emissão desses sinais
desconexos prejudica a imagem do Brasil, que nada tem a ganhar com a
presença de Dilma na inauguração de um porto cubano feito, sob contrato
secreto, com dinheiros dos contribuintes brasileiros. Muito dinheiro:
682 milhões de dólares. Isso tudo depois que a Sunrise, a maior trading
de importação da China, anunciou o cancelamento da importação de 2
milhões de toneladas de soja do Brasil por causa de atrasos provocados
pelo congestionamento no embarque em nossos portos. São fatos tão
desastrosos que até a sonolenta oposição brasileira se sentiu
revigorada. O senador Aécio Neves resumiu a situação: “finalmente a
presidente Dilma inaugurou sua primeira grande obra. Pena que não foi no
Brasil”.
Antes se dizia, com metáfora gasta, mas válida, que o
Brasil deveria deixar de querer ser o primeiro vagão do Terceiro Mundo
para se concentrar em ser o último do Primeiro Mundo. Somos percebidos
hoje como um país de menor potencial do que a Colômbia, o Chile, o
México e até o Peru. O contraste mais marcante entre o Brasil e esses
novos tigres latino-americanos não está apenas no desempenho econômico. A
diferença não é de grau. É de natureza. Colômbia, Chile, México e Peru,
sejam seus presidentes mais à direita ou mais à esquerda, pouco
importa, abandonaram a pesada carga de atraso que historicamente
carregavam para se inserir na corrente civilizatória baseada na economia
de mercado como o grande motor do desenvolvimento. O governo
brasileiro, no entanto, insiste em flertar com o abismo.
(Carta ao Leitor VEJA, 05-02-2014)