O presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, afirmou nesta quarta-feira que está disposto a discutir mudanças na proposta sobre sua restituição fechada horas antes entre negociadores dos dois lados da crise política hondurenha. A declaração foi feita depois que o presidente interino, Roberto Micheletti, disse que ainda não havia acordo devido a divergências sobre o foro adequado para decidir sobre o possível retorno de Zelaya ao poder.
"Se há mudança no acordo, voltamos à mesa de negociações para discutir, damos poderes às comissões", disse Zelaya à agência de notícias France Presse, na Embaixada do Brasil em Honduras, onde está abrigado há mais de 20 dias, sem revelar se do seu lado houve aprovação do documento acertado nas negociações com o governo interino. O presidente deposto afirmou que as negociações continuarão nesta quinta-feira, último dia de um prazo que dera anteriormente para a conclusão das discussões, mas não se referiu ao ultimato. No Blog da Embaixada, o repórter Fabiano Maisonnave, da Folha de S.Paulo, que está na sede diplomática brasileira em Tegucigalpa, informa que os delegados do presidente deposto disseram que Zelaya aprovou o texto, com pequenas modificações.
Na tarde desta quarta-feira, Victor Meza, o principal representante do presidente deposto, na mesa de negociações iniciada já uma semana, disse que os negociadores de ambos os lados haviam chegado a um acordo para encerrar a crise política no país, mas que o texto ainda precisava ser aprovado por Zelaya e por Micheletti. A chefe da delegação do governo interino, Vilma Morales, ex-presidente da Suprema Corte, confirmou a existência de um consenso, mas comissões disseram que não poderiam falar sobre o conteúdo do documento. Mas minutos depois de se reunir com Micheletti, Vilma Morales disse em entrevista coletiva que ainda não havia a um acordo sobre o regresso de Zelaya à Presidência, segundo o jornal hondurenho "El Heraldo", que faz uma cobertura favorável ao governo interino. Em um comunicado, o presidente interino disse que ainda não havia acordo sobre o retorno de Zelaya à Presidência devido a uma divergência sobre se a medida deve ser decidida pelo Congresso ou pela Suprema Corte.
"Estão pedindo que o Congresso determine se ele pode ou não voltar, mas esta é uma questão jurídica, é definitivamente é a Suprema Corte [que deve decidir]", disse Micheletti no comunicado. Na declaração, o governo interino afirmou que "até agora não há nenhum acordo final sobre este ponto e amanhã as equipes de negociação retomarão o diálogo". Micheletti já usara possíveis diferenças de foro para decidir sobre o retorno de Zelaya para adiar indefinidamente posicionar-se sobre o retorno de Zelaya previsto pelo Acordo de San José, a proposta de mediação feita pelo presidente da Costa Rica há mais de dois meses. Quando finalmente pronunciou-se sobre o assunto, ele disse que o retorno era impossível, porque Zelaya respondia a processos na Justiça que estavam além de seu poder desconsiderar.
A negociação em curso começou na semana passada durante uma missão diplomática da OEA (Organização dos Estados Americanos) e reúne três representantes de cada lado, que discutem uma saída para a crise com base no Acordo de San José. Além de Meza, participaram do diálogo pelo lado de Zelaya Mayra Mejía, sua ministra do Trabalho, e o advogado Rodil Rivera. Como representantes de Micheletti, negociam Armando Aguilar Cruz, um dos diretores do Banco Central, o empresário e político Arturo Corrales e Vilma Morales. Anteriormente nesta quarta-feira, o chefe das Forças Armadas de Honduras, o general Romeo Vázquez, havia afirmado que o fim a crise política estava próximo. A crise política hondurenha se agravou em 28 de junho, quando Zelaya foi deposto por tentar realizar uma consulta popular sobre mudanças constitucionais considerada ilegal pela Justiça. Considerada um golpe de Estado pelo virtual consenso de governos e entidades internacionais, a sucessão foi classificada por Micheletti e pelas instituições hondurenhas como uma mudança legítima de governante, referendada pela Suprema Corte e pelo Congresso. Mas Zelaya, expulso, de pijamas, do país por militares na madrugada do dia em que pretendia realizar a consulta, disse que sofreu um golpe militar e desmentiu qualquer tentativa de alterar a cláusula pétrea da Constituição que impede reeleições para se manter no poder. Embora a destituição de Zelaya tivesse amparo constitucional sob a hipótese de que ele estivesse tentando reeleger-se, a expulsão não é prevista no texto e tanto Micheletti quanto o chefe das Forças Armadas eximiram-se de responsabilidade por essa iniciativa.
Pressionado --nenhum país reconheceu seu governo-- o governo interino adiou ao máximo uma solução para o impasse, resistindo a uma proposta feita pelo presidente da Costa Rica, Oscar Árias, para o retorno de Zelaya à Presidência com poderes limitados e à frente de um governo de união nacional. Micheletti apostava na eleição presidencial de novembro --que estava marcada antes da crise-- como a saída para entregar o poder a um sucessor que tivesse legitimidade aos olhos dos demais países, mas essa solução foi rejeitada pela OEA (Organização dos Estados Americanos. Nem Zelaya nem Micheletti são candidatos. Após quase três meses de negociações sem avanços e duas frustradas tentativas públicas de voltar a Honduras, Zelaya retornou ao país clandestinamente no último 21 de setembro e se abrigou na Embaixada do Brasil em Tegucigalpa. O retorno do presidente deposto aumentou a pressão internacional sobre o governo interino, alimentou uma onda de protestos e fez da crise hondurenha um dos temas da Assembleia Geral da ONU, reunida em Nova York em setembro. A ONU suspendeu um acordo de cooperação com o tribunal eleitoral hondurenho e o governo interino aceitou o envio de uma delegação diplomática da OEA a Honduras, dias depois de ter barrado a entrada no país de enviados da organização.
Além disso, a coesão da elite hondurenha começou a apresentar sinais de desgaste, e os protestos em favor do governo interino, comuns no início da crise, passaram a ser superados de longe, em número e volume, pelas manifestações pró-Zelaya, que desafiaram os toques de recolher e o estado de exceção. De volta à mesa de negociações, os representantes dos dois lados da crise começaram a dar sinais de conciliação nesta semana, mas com custos para ambos. Enquanto os representantes de Micheletti começaram a se mostrar flexíveis em relação a um retorno de Zelaya à Presidência, o presidente deposto alienou parte do movimento popular que o apoia ao abrir mão da proposta de uma constituinte. O sindicalista Juan Barahona, dirigente do movimento de resistência popular que apoia o presidente deposto, deixou a mesa de negociações nesta semana e foi substituído pelo advogado Rodil Rivera, que ao lado dos outros dois representantes deu seguimento às negociações que culminaram no acordo anunciado nesta quarta-feira.
Fonte: Folha OnLine