TEM MOÇAUm personagem do Crato, bastante conhecido, ficou conhecido por ser um especialista em falências. Ele mesmo se vangloriava de ganhar dinheiro com esses expedientes. Outra característica sua era o fato de fazer negócios, acertar e desistir na última hora. Tinha uma voz miúda e pronunciava o
‘s’ e o
‘c’ com som de
‘s’como
‘x’. Um dia resolveu vender um sítio que possuía no Lameiro. Ofereceu-o a um dos ricos do Crato, o Cândido Figueiredo. Discutiram o preço e chegaram a um acordo. Mas exigiu o pagamento em dinheiro. Marcaram o encontro, no escritório do Cândido, para o fechamento do negócio. Chegando lá, ele já apareceu com outra estória:
- “Xeu Cândido, não vai dar maix xerto o negóxio não”- “Mas por que? Ficou tudo certo. Já estou até com o dinheiro aqui”.
Cândido Figueiredo não gostou da indecisão do vendedor do sítio.- “O xinhor xabe. Agente tem filhox. Eu tive que ouvir a opinião delex e elex foram contra. Elex têm muito amor pelo Xítio. Enfim, a gente tem que ouvir ox filhox, não é, Xeu Cândido?”E o Cândido, já aborrecido por ter perdido tempo, disse:
- “Pois vá você e seus filhos tomar no cu”.- “Max Xeu Cândido tem uma moxa no meio!”- “Tá bom, tá bom, pois tire ela”.RODILHA DE NOVOCândido Figueiredo gostava de participar das conversas da Praça Siqueira Campos. É dele a seguinte estória: Certa vez, um conhecido
“pé de mesa” do Crato resolveu transar com um veado. Quando a bicha viu o tamanho, foi logo dizendo:
- Ah, meu bem, só com rodilha!O Cândido esclareceu que o veado não conhecia a técnica da rodilha utilizada pela puta que
“trabalhava” na Glorinha. Era diferente. E tratou de esclarecer:
- O "gay" pegou o pano e fez uma rodilha bem feita. Encostou bem a cabeceira da cama na parede. Firmou, com as duas mãos a rodilha na parede, um pouco acima da cabeceira da cama. Aí, veio com a cabeça e pressionou-a contra a parede. Ficou naquela posição. Quando a rodilha estava bem firme, disse:- Venha, meu filho, veeeeeeeeeeeeenha!A CERVEJA!Durante a IIª Guerra Mundial existia no Brasil uma congregação de padres alemães que tinha sido escorraçada de diversas cidades, por suspeitas de serem espiões nazistas. O Crato e a Diocese os acolheram. Meu pai, inclusive, foi um dos que batalhou pela sua permanência na cidade. A Igreja de São Vicente ficou sob a administração deles. Como prova de gratidão para com a cidade, realizaram diversos trabalhos, não só de evangelização, mas também, sociais. Chegaram a fundar um seminário, conhecido como
‘Seminário dos Alemães’, que tinha uma grande inovação: os seminaristas não usavam batina. Atualmente, no prédio onde funcionou o Seminário, funciona um hospital. Concluíram a Igreja de São Vicente, construíram a Igreja de São Miguel, inclusive uma creche/escola. Interferiram para obter recursos da Alemanha para ampliação do Hospital São Francisco. O pároco da Igreja de São Vicente era sempre desta congregação. Um dos mais populares era o Padre Frederico Nierhoff. Lembro-me bem dele! Alto, louro, uma voz possante. Fumava cigarros Asa ou Astória, os mais fortes e peduros. Falava bem o português, mas tinha o sotaque bem característico do alemão. O Mourãozinho do meu pai era sempre “môrrãosium!”. Era um padre bem avançado para a época, antes do Papa João XXIII e do Concílio Vaticano II. Suas homilias eram uma atração. Lembro-me bem de sua maneira bem simples, popular, de explicar o Evangelho:
- “São José não era besta não! Quando viu a barriga de Maria crescer, tratou de arrumar as trouxinhas dele, botar nas costas e cair fora! (fazia o gesto de botar uma trouxa nas costas e caminhar de ponta de pé).
Foi quando Deus fez o anjo aparecer em sonho e explicar tudo!”.
O Padre Frederico não suportava injustiça. Não teve dúvidas em esconder na sua casa e ajudar na fuga para a Europa, um filho da terra, um Arraes, perseguido pela Ditadura Militar. Fez o mesmo que muitos padres fizeram, principalmente na Alemanha, escondendo judeus do horror nazista.
Seminário dos Alemães. Hoje funciona um Hospital.
Outra vista do Seminário dos Alemães, pelo lado interno.Por ser querido de todos, era sempre convidado para as festas. Certa ocasião foi a uma festa na zona rural. Chegando lá, na mesa principal da festa tinha, no centro, uma poncheira cheia de cerveja, com uma concha dentro. Para servir a cerveja como se fosse ponche. Para um alemão, aquilo era o cúmulo do absurdo! Jogou a concha fora, pegou a poncheira com as duas mãos e bebeu toda de uma vez só! Quando terminou, disse, antes daquela gargalhada característica:
- “Cadê a cerveja, menino? Isto é lá cerveja!”QUEBRA CADEIRAO Padre Frederico, além de alto, mais de 1,90 m, era forte. Pesava mais de cem quilos. Em uma festa de aniversário, deram para ele sentar uma cadeira dessas de conjunto de mesa de jantar. Eram ditas
‘modernas’!. Suas pernas eram finas com a seção reduzindo de cima para baixo. Ele olhou para a cadeira, segurou-a numa mão só e girou-a, dizendo:
- “Esta cadeira ‘non’ agüentar”.
Interior da Igreja de São Vicente. A nave central era reservada às mulheres. Os homens ficavam nas laterais.E o dono da casa:
- “Não padre, pode sentar, agüenta sim!”- “Olhe lá! Cadeira vai quebrar!”- “Não Padre, não tenha receio”.Pe. Frederico não teve dúvidas. Sentou-se com todo gosto! A cadeira se despedaçou toda! Mais que de repente, levantou-se e já foi agarrando a segunda cadeira para sentar-se e ir quebrando uma a uma! Foi quando o dono da festa pediu-lhe pelo amor de Deus para não sentar e arranjou-lhe uma cadeira de ferro. Acomodou-se, em meio à famosa gargalhada.
O CABARÉPor algum tempo, o Padre Frederico andava de motocicleta. Usava, muito a contragosto, uma batina creme, menos quente que a preta. Na Alemanha não usava batina. Para andar de moto, arregaçava-a quase até a cintura, metia um chapéu de palha na cabeça e saía pela cidade, para espanto de todos.
Ia sempre lá em casa. Ao chegar, ia logo dizendo:
- “Ô de casa”E, em passadas largas, entrava casa adentro. Pedia sempre um ‘cafessio’. Mamãe mandava logo coar um cafezinho fresco. Certa vez a empregada chegou na sala e disse:
Padre Frederico, na época da sua ordenação, na Alemanha.- “Dona Giseuda não tem café não!”Mamãe toda constrangida, e o padre às gargalhadas! O vexame foi logo solucionado. Mamãe mandou-me ir correndo à bodega do Sr. Luis pegar um pacote de café Itaytera e pedir para anotar na caderneta (o que ele fazia com aquela letra horrível). Pouco depois o aroma do café rescendia por toda a casa e o Padre pode saboreá-lo de um gole só. A xícara perdia-se na sua mão! O Padre e meu pai eram muito amigos. Papai era quem cuidava da contabilidade da Igreja.
Para o padre ir de motocicleta até a sua Igreja, saindo da nossa casa, na Nelson de Alencar, tinha que dobrar à esquerda na segunda rua. Mas se não dobrasse e continuasse, entraria no quarteirão da prostituição. Por isso que, quando montava na sua motocicleta e se despedia de papai, em frente à nossa casa, dizia, seguido da costumeira gargalhada:
- “Eita Môrrãozium amanhã vão dizer que o Padre foi ‘pro’ cabaré!!!!”.TEM HOMEMApós a missa das nove horas, aos domingos, papai acompanhava o Padre à casa paroquial a fim de organizar a contabilidade da Igreja. Geralmente iam também umas beatas e ficavam fazendo hora na casa do padre. Ele se impacientava com aquelas beatas, que não tinham nada o que fazer e as enxotava de casa, batendo as mãos e dizendo:
- “Vão embora, vão embora. Vão para as suas casas. Aqui debaixo desta batina tem um homem!”E as coitadas saiam, apavoradas!
TETO SOLARNuma determinada época o padre Frederico recebeu da Alemanha um jipe. Era um DKW. Mas, quando ele entrou para dirigi-lo, não cabia debaixo da capota. Não pensou duas vezes! Fez um rasgo, o suficiente para passar sua cabeça, e dirigia assim, através de um teto solar improvisado. Era cômico ver aquele jipe andando com aquela cabeça, saindo para fora da capota.
O FLUMINENSEO Luís tinha um amigo, motivo de muitas e boas estórias. Inteligente e bastante versátil, bom locutor, tocador de violão e cantor. Era radialista na Rádio Iracema de Fortaleza e foi convidado para trabalhar na Rádio Educadora do Crato, onde acabou fixando residência. Casou-se e, nem por isso deixou de ter os seus casos, que a mulher estava sempre descobrindo. Mas não se emendava. O Crato, nessa época, tinha um bom futebol de salão e sempre promovia jogos com times da capital e até de outros estados. Um dia veio o Fluminense, do Rio de Janeiro, para disputar uma partida na quadra, onde hoje é a Praça Alexandre Arraes. Viu, nisso uma ótima oportunidade para uma desculpa para uma fugidinha. Dizer que ia para o jogo e, na verdade, ir para a farra. O Luís foi logo avisando:
- “Olhe, não me meta nas suas histórias. Não diga que estava comigo. Se a sua esposa me perguntar eu vou dizer a verdade: você não estava comigo”.Houve o jogo e ele não apareceu na quadra. Foi para a farra e só chegou em casa na manhã seguinte. No entanto, teve o cuidado de saber o resultado da partida. A primeira coisa que a esposa perguntou foi o resultado do jogo e ele respondeu corretamente. E ela:
- “Você ficou até esta hora nesse jogo? “- “Não, minha filha. O jogo terminou lá para meia noite e de lá fomos para o Hotel Pálace, onde a delegação estava hospedada. Ficamos na boate do Hotel conversando até agora. Olha, foi uma das noitadas mais agradáveis de toda a minha vida. Pude rever muitos radialistas de Fortaleza. São velhos amigos e relembramos muitas histórias engraçadas. E também pude conversar com alguns jogadores do Fluminense, conhecidos de outras jornadas. Falamos sobre o time de futebol de campo. Como você sabe, meu clube do coração. Tomara que convidem outros times de fora, para eu poder ter outras oportunidades como esta. Foi muito bom”.- “Mas você é um cara de pau! Tem uma cara muito lisa mesmo. O Fluminense não se hospedou em Pálace coisa nenhuma. Hospedou-se foi no Crato Hotel!- “O que?!?! No Crato Hotel?!?!- “Sim, senhor. Eu me informei direitinho, você está é com mentira, seu cabra safado. Você estava era na farra!!!- “Mas minha filha, você acha que tenho culpa que este time safado se hospede em hotel de segunda categoria. Por isso que eu não torço mais por essas pernas de pau do Fluminense...”
Pálace Hotel
Crato Hotel em foto do final da década de 30 para começo da de 40. Um hotel de tantas tradições mudou, recentemente, de nome, sem necessidade alguma.Por: Ivens Mourão, do seu livro "Só no Crato" - Direitos de Publicação concedidos ao Blog do Crato pelo autor. TODOS OS DIREITOS RESERVADOS.