
Era uma bela tarde de sexta-feira, véspera de um feriado que prolongar-se-i-a até a terça próxima, os ânimos aflorados, a alegria contagiante, a sensação de liberdade finalmente havia chegado, os papeis outrora jogados na mesa, permaneceriam por mais alguns dias, ou quem sabe meses. A visita ao supermercado era fato certo, bem como improrrogável, a escolha de uma boa peça de carne, acompanhada de algumas “caixas” de bebidas alcoólicas, era inevitável, afinal, “feriado prolongado” sem um aperitivo alcoólico, não teria a mínima lógica....Ligações são realizadas, convites lançados, confirmadas as presenças, tem-se o palco montado para uma apresentação digna de registro, sem olvidar que o equipamento que dará suporte a esse encontro, no mínimo, refletirá a grandeza do evento.
Técnicos especializados em “equipamento sonoro” são convocados (a que tudo indica formados na Universidade de Howard, em condições de fazer a “terra tremer”), instalam todos os utensílios necessários, caixas de som são espalhadas aos quatros cantos do picadeiro – tal qual câmera em instituição bancaria, filma todo mundo - testam-nas: alô som, alô som, testando.... perfeito, até deficiente auditivo irá sacudir o corpo, será arrebatador.
Todavia, esqueceu o anfitrião de um detalhe, digamos de vital importância, o vizinho a esquerda da festa de arromba, encontrava-se enfermo, muito enfermo por sinal, portador de um tumor maligno, passava os dias a contá-los, mais à frente, do lado esquerdo, uma casa que abrigava pessoas decrépitas, àquelas que colaboraram com o desenvolvimento social, humano e cultural do Pais, agora confinadas naquele espaço (sabe-se lá porque), também contavam os dias, entretanto de forma diversa daquele outro, clamavam apenas por mais sossego. Mais a frente, outra cidadã que acabará de trazer ao mundo seu mais novo morador, uma criança com apenas duas semanas, tão pequena, tão frágil, todavia já seria submetida ao seu primeiro teste de “paciência humana”.
Pois bem, a cena acima descrita, o que diga-se de passagem, fora feito sem guardar nenhuma relação com nada nem tampouco com ninguém, ou como se afirmava antes do inicio das novelas globais: “(...) qualquer semelhança com fato ou pessoa é mera coincidência (...)”, permite uma analise pormenorizada acerca da falta de respeito e noção da convivência em sociedade. A historinha acima me faz lembra o célebre romance de Daniel Defoe, escrito em 1719, conhecido entre nós por Robinson Crusoe. Como bem sabemos Defoe inspirou-se em fato real, mais especificamente na vida de um marinheiro Escocês, sendo que esse por vontade propria rogou que lhe deixassem sozinho em uma ilha (dai surgi o mito da solidão) . Dessa forma, após viver mais de duas decadas solitariamente , passa a dividir o espaço com o então denomiado sexta-feira – mudando totalmente a sua concepção à respeito de muitos valores . Sem ter intenção de adentrar no merito do romance citado, por entender sua desnecessidade, a comparação se faz apenas e unicamente com o escopo de aclarar que as relações humanas, dar-se justamente entre seres humanos ( desculpem-me o pleonasmo) , ou seja, não vivemos sozinhos, somos participes de uma vida colegiada, dividimos espaços a todo momento, quer seja em casa, com a esposa, com os filhos, no trabalho, enfim, estamos em constante mutabilidade, não podemos e nem devemos impor ao outro absolutamente nada.
A liberdade que nos fora outorgada, ou como diria alguns “o livre arbítrio”, carece ser acompanhado de responsabilidade e bom senso, imaginemos em uma residência a seguinte cena: o esposo adora assistir os principais noticiários, já a esposa aprecia ouvir musica, que por sinal odeia noticiário, já aquele, na mesma intensidade reprova qualquer estilo musical. Entretanto, cada qual encaminha-se para um cômodo da casa, e em volume exagerado passa a saborear o gosto insípido e indelicado que lhes fazem mal. Pronto. Formou-se o conflito, o litígio estará instalado, a rixa iniciará antes mesmo da ultima letra da musica ou da informação completa do jornalista. Por vezes, parece estranho pregar e/ou requerer que tenhamos atenção e zelo naquilo que fazemos, pois, em um primeiro momento, não se aperceber que determinada conduta avassala e cria moradia no terreno da liberdade individual, é o mesmo que dizer que podemos ofender o outro com palavras injuriosas, todavia, se não o agredirmos fisicamente não se consumará a falta de respeito na convivência social. Não me parece, com todo respeito àqueles que pensam de modo diverso, lógico a afirmação que determinados comportamentos que ferem o direito do outro, foram arquitetados sem o “propósito” de fazê-lo, pois por mais pueril que fosse a conduta, haveria sempre o discernimento capaz de impedir a sua exteriorização, a não ser que esse comportamento partisse de uma pessoa absolutamente incapaz.
Quando nos deparamos com situações que agridem a liberdade individual, faz-se necessário reação enérgica, eficaz e duradoura, pois se assim não fora feito as forças que locupletam-se com esses acontecimentos, tendem agigantar-se em meio a inoperância e a falta de comando daqueles que deveriam agir. As medidas, por sua vez, carecem de respaldo legal e após tomadas, levadas de imediato ao conhecimento de todos, fazendo que sejam devidamente cumpridas e respeitadas, sem nenhuma exceção, não importando qual a justificativa para a sua manutenção. Quando existe previsão legal, a única saída é o cumprimento integral do comando, mais uma vez, sem esmorecer nem ceder a nenhum interesse.
Por fim, o respeito ao próximo, também, começa dentro de casa, é observando nossos pais, a forma com que esses conduzem as coisas do lar, no tratamento amigável, na explicação e advertência quando incidimos em erro, na delicadeza – por vezes com aspereza no olhar – em que nos aconselha. A complementação desse ensinamento dar-se-á na escola, no convívio com o outro ser, que da mesma forma sente, pensa e exterioriza suas emoções. O grande problema, no meu entender, é que muita gente ainda não percebeu que temos um “sexta-feira” permanente ao nosso lado, quando atentarmos para essa presença, com certeza a relação interpessoal se mostrará mais clara, acatada e acima de tudo harmônica, sem ser necessário a imposição legal para uma vida em paz. Parabéns pelo novo jornal “Chapado Araripe”, é o Crato no rumo certo.
Por Luiz Cláudio Brito de Lima