
Um jovem amigo namorou uma colega nos tempos de faculdade. Vai que ela era precoce nos estudos e já terminava a faculdade enquanto íamos pela metade. Chegou o tempo de arribações das fatídicas residências médicas. Ela foi para o Rio e ele em Fortaleza ficou. No Rio ela se especializou, casou-se e seguiu a vida. Ele, em Fortaleza, casou-se, teve filhos e o casamento entrou em crise.
Vinte anos depois se encontram na minha casa. O irrealizado querendo realizar-se até a conclusão das premissas. Todas as coisas em curso se tornaram mais frágeis do que costumam ao traçar rápido de novas tramas. Mais do que um amor em assertiva, havia a necessidade de concluir o pensamento: preliminares e argumentação já estavam postos, faltava o “portanto” lógico que anunciasse a sentença. Ele foi para a Inglaterra e de lá, na clandestinidade do meu endereço, se comunicavam. Um dia de recebimento de cartas, ele em códigos escritos e ela conversando comigo, a conclusão afinal se deu. Ambos continuam morando em duas cidades com mais de três mil quilômetros de distância.
No Crato uma das grandes histórias do passado foi a de Evangelina. A mesma que vestia a sociedade e ordenava sapatos e bolsas em composição. Ninguém tinha um olhar tão para fora da moda quanto ela. Evangelina era uma típica mulher da corte, até nos modos discretos e educados de se comportar. E Evangelina tinha um romance de corte. Uma grande paixão. A cidade preparou-se para dar luz àquela em seu sonho de benção matrimonial. Roupas, sapatos cobertos de tecidos, convidados, comidas, a festa da sociedade.
Aquele dia chegou para Evangelina como se uma noite não o antecipasse. Estava plena e pronta para a maior realização de que tanta realidade aos outros dera. E as luzes da manhã se apagaram antes que a noite seguinte chegasse. O noivo desaparecera. Era um representante comercial e foi em busca de um compromisso matrimonial em outra cidade do qual não poderia abdicar a não ser morto. Evangelina vivia o mais velho dos enredos de romance. O Crato era como outra cidade qualquer e suas tramas urbanas. Ou melhor, suas lendas urbanas.
Evangelina continuou sua vida asceta. Ela e seu cachorrinho chamado “coronel”. Quando o instrumento hoje se chama guarda-chuva era ele para Evangelina um guarda-sol para não manchar a pele, preservar a suavidade de sua cor, afastando rugas e bolsas no olhar. Com dignidade ela viveu a vida de solteirona, tendo por patrimônio um grande amor e por frustração o irrealizado no instante mesmo que deveria ter se realizado.
Mas aí é que vem o atual espírito do Blog do Crato. Um belo dia aquele que abandona, retorna com olhar de fisgar perdão, se tornara descompromissado, com viuvez recente. Vinha para os braços de Evangelina. Tornar verdade o que já era uma verdade pelo avesso. E neste dia o Crato viu que o romance é matéria do tempo e do lugar.
Por: José do Vale Feitosa
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